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Reportagem

A nova direita radical tem sapatos de verniz e fatos de bom corte

22 mai, 2014 • Daniel Rosário, em Bruxelas

Evitam símbolos com reminiscências nazis e fascistas. Mas são temidos (e aplaudidos) pelas suas posições anti-imigração. Nas eleições europeias, as forças de extrema-direita e populistas devem atingir resultado histórico.

A nova direita radical tem sapatos de verniz e fatos de bom corte

"Vocês são intolerantes e não dialogam!", atira um dos muitos visitantes que se aproximam da banca do Vlaams Belang (Interesse Flamengo) no Parlamento Europeu. "Não dialogo?!", responde Philip Claeys. "Estou aqui a falar civilizadamente consigo e disponível para conversar com toda a gente." O interlocutor afasta-se a abanar a cabeça, como quem diz "Não adianta…".

Claeys não perde a compostura, não desalinha um fio de cabelo do penteado cuidadosamente arranjado. É um dos rostos da constelação da direita extrema, eurocéptica e/ou populista (os termos diferem conforme quem fala e são alvo de disputa) que ameaça alcançar o melhor resultado de sempre nas eleições para o Parlamento Europeu.

O "cliente" seguinte de Claeys era a Renascença, com quem a entrevista tinha sido previamente combinada ao telefone.

A conversa decorreu em Bruxelas no último sábado, durante a iniciativa "Portas Abertas" do Parlamento Europeu. Como os outros partidos belgas, o Vlaams Belang montou uma banca com material eleitoral.

O Vlaams Belang é "filho" do Vlaams Blok, que, em 2004, foi banido pela justiça belga por desrespeito da lei contra o racismo.


Claeys, ao centro, na acção do Vlaams Belang. Foto: Daniel Rosário

O ar aprumado com que Claeys, eurodeputado desde 2004, se apresentou é revelador.

São catalogados de "populistas" e de "extrema-direita" pela generalidade dos partidos democráticos, analistas políticos e comunicação social. Mas, nos últimos anos, políticos como Claeys têm feito um esforço em busca de uma pretensa respeitabilidade. Tentam expurgar o discurso de referências abertamente racistas, anti-semitas e xenófobas.

O mesmo em relação à imagem. Evitam símbolos com reminiscências nazis e fascistas. Trocaram as botas cardadas por sapatos envernizados e fatos de bom corte.

Extremistas são os outros
Os belgas do Interesse Flamengo têm sido um dos esteios dos esforços de concertação de esforços entre partidos da extrema-direita "clássica".

Eurodeputado desde 2004, Philip Claeys aproveita a conversa com a Renascença para reforçar o distanciamento em relação ao que considera ser "os extremistas": "não queremos ser associados a partidos com posições anti-semitas, que se focam em temas da II Guerra Mundial e que têm uma simbologia que remete para os anos 30 e 40 do século passado".


Foto: Daniel Rosário

"Vemos pelas sondagens que os problemas a que respondemos são os que mais preocupam as pessoas, tal como as nossas soluções são as mais apoiadas pela população, por isso não podemos ser extremistas", argumenta. "Somos um partido democrático, participamos em eleições, respeitamos a liberdade de expressão e não participamos em violência de rua, não temos nada a ver com extremismo!".

No entanto, este é um discurso multifacetado, que impressiona pela sua capacidade de adaptação ao interlocutor, o que será seguramente um dos segredos dos seu êxito eleitoral.

As declarações ponderadas à Renascença, semelhantes às efectuadas a outros meios de comunicação europeus, contrastam com o discurso doméstico, dirigido ao eleitorado flamengo, muito mais violento, abertamente nacionalista, descaradamente islamófobo e que associa abertamente a imigração ao aumento da criminalidade. 

E são anti-europeus? "De forma alguma!", responde. Admite algum "cepticismo" em relação à actual União, mas apresenta-se como defensor da moeda única – mesmo que zona euro que defende deveria ser "mais pequena, essencialmente com os países do Norte da Europa". Ou seja, sem países como Portugal e Grécia.

UE: o "alvo perfeito"
Marley Morris, investigador do Counterpoint UK, um "think tank" londrino com um vasto trabalho de monitorização de movimentos como este, considera "simplista" identificar todos estes partidos (tanto os mais "moderados" como os mais "radicais") como "anti-europeus".

"Aquilo que os une", sublinha, "é o populismo": "uma semi-ideologia" com tendência para apresentar "soluções simplistas" e, segundo a qual, "as pessoas comuns é que têm respostas certas".

A União Europeia surge como "o alvo perfeito". "Representa" tudo aquilo que criticam: "a desconfiança e distanciamento em relação aos políticos e à burocracia internacional e distante que vai contra o sentimento nacionalista de muitos desses partidos, num processo que teve a sua expressão máxima na gestão da crise financeira, classificada como incompetente e distante dos interesses das tais pessoas comuns".

O investigador do Counterpoint UK chama ainda a atenção para o facto de o êxito eleitoral destes partidos ter começado "muito antes" da crise dos últimos anos, apesar de esta ter tido "um papel". E dá como exemplo o sucesso eleitoral da Frente Nacional em França desde a viragem do século.

À excepção da Grécia, o crescimento destes partidos tem sido particularmente acentuado nos países "menos atingidos de forma directa" pela crise, remetendo para outras das "forças motrizes" da sua popularidade, como a imigração.

Claeys confirma: "queremos que os países possam voltar a controlar as suas fronteiras para poderem aplicar políticas mais restritivas para lutar contra a imigração em massa, a imigração ilegal, sobretudo de fora da União Europeia".

Do anti-Islão ao anti-semitismo
A Frente Nacional francesa e o Partido pela Liberdade holandês já assinaram um acordo tendo em vista a formação de um grupo. Marine Le Pen, a líder da Frente Nacional, faz campanha na Bélgica a apelar ao voto da comunidade francófona nos flamengos do Vlaams Belang.

Mas esta aparente harmonia e convergência de interesses pode esbarrar no facto de as suas diferenças serem provavelmente mais profundas que as semelhanças.

O entusiasmo dos belgas em relação ao euro não é partilhado pelos franceses. O discurso ferozmente anti-Islão do partido holandês é cuidadosamente evitado por outros. Em contrapartida, as posições anti-semitas assumidas por franceses e austríacos num passado recente podem ser um embaraço para o partido holandês, cujo líder se apresenta como um amigo de Israel.


Foto: EPA

São equilíbrios delicados que tornam ainda mais agudo o problema dos números. Em princípio estes partidos não terão dificuldade em reunir os 25 deputados exigidos pelo PE para a formação de um grupo. Mas mais difícil será garantir a presença de sete países de uma forma coesa.

Isso mesmo é admitido por Claeys, que reconhece que há contactos com "outros partidos" com um objectivo bem claro: "queremos uma base mais alargada e sólida para evitar possíveis dificuldades quando uma delegação não concordar com outra ou com uma posição do grupo". E decida bater com a porta, reenviando esta extrema-direita para o universo dos "não-inscritos", junto daqueles que eles vêem como "extremistas" e deitando por terra os seus esforços de conquista da respeitabilidade ao nível europeu.

Depois das eleições


Nigel Farage, do britânico UKIP. Foto: EPA

Firmemente ancorados há vários anos na paisagem política dos respectivos países, os partidos europeus da extrema-direita "clássica" (como a Frente Nacional francesa, o Partido Pela Liberdade holandês, o seu homónimo austríaco e o Interesse Flamengo, da Bélgica), acreditam que estas eleições lhes darão votos e deputados suficientes para poder formar um grupo político no Parlamento Europeu.

A nova formação poderá designar-se Aliança Europeia pela Liberdade e contará também com a participação de partidos da Eslováquia, Itália e Suécia (para cumprir o requisito de ter pelo menos 25 parlamentares de sete países diferentes).

Será uma quase estreia, que tenta fazer esquecer as efémeras experiências no final dos anos 1990 e em 2007. Porém, tudo pode voltar a acontecer, defende Marley Morris.

O investigador do Counterpoint UK não acredita que o novo grupo parlamentar, caso venha a formar-se, tenha um "impacto significativo" na vida do Parlamento Europeu. Prevê que será uma formação "pequena", com coesão "precária" e incapaz de formar alianças com outras famílias políticas. "Podem acabar por ser ostracizados e ver a sua capacidade de influência bastante limitada."

Este investigador antecipa um crescimento eleitoral significativo destas forças políticas, que prefere classificar como "populistas".

Acredita que a Frente Nacional francesa, o Partido Pela Liberdade holandês, o seu homónimo austríaco e o Interesse Flamengo formarão um grupo novo.

Já estruturas como o Partido da Independência do Reino Unido (UKIP) e os Verdadeiros Finlandeses (que, em 2011, fizeram da rejeição do apoio financeiro a Portugal uma das suas principais bandeiras eleitorais) deverão continuar a integrar a Europa da Liberdade e da Democracia.

Por fim, formações como os neonazis da Aurora Dourada, da Grécia, ou o Jobbik, partido húngaro declaradamente xenófobo, "são tão extremistas que não serão capazes de aderir a nenhum grupo", antecipa o investigador britânico.

O seu destino será o "limbo" dos chamados "não-inscritos": os eurodeputados que não integram nenhuma família política no qual a Frente Nacional, o Interesse Flamengo e o Partido Pela Liberdade holandês têm passado a maior parte da sua existência no Parlamento Europeu.