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Vale quase tudo para fugir ao fisco e à segurança social

11 jun, 2014 • Ana Carrilho e Gastão Costa Nunes

"Imaginação das pessoas é tremenda no trabalho não declarado". A nova moda é o falso trabalho voluntário, diz o inspector-geral da Autoridade para as Condições de Trabalho em entrevista à Renascença.

“A imaginação das pessoas é tremenda”. É assim que o inspector-geral da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) se refere ao trabalho não declarado, que tem cada vez mais peso em Portugal.

Em entrevista ao programa “Trabalho sem Fronteiras”, no âmbito da parceria Renascença/EURANET, Pedro Pimenta Braz revela que as modalidades detectadas pelos inspectores de trabalho são cada vez mais e mais criativas.
 
Há o trabalho não declarado “puro e duro”, de que as Finanças ou a Segurança Social não recebem qualquer indício e muito menos desconto, passando pela subdeclaração de salários, em que uma parte do rendimento é recebido “por fora e em dinheiro” por acordo entre patrão e trabalhador.
 
Verifica-se também outra fenómeno, o da nova moda do trabalho voluntário. Pedro Pimenta Braz espanta-se até com o que acontece a altos quadros, que só na hora de reclamar pelas indemnizações por despedimento é que assumem que receberam parte do salário sem o declarar.

Por isso mesmo, o inspector-geral da ACT promete a intensificação da acção dos inspectores no terreno e, sobretudo, em actividades mais características do Verão: a agricultura e a restauração.

Esta não é uma prática que os envolvidos assumam facilmente, mas no Algarve a reportagem da Renascença falou com um mecânico que admitiu fazer preços mais baratos nas reparações automóvel a quem não pede factura, não tendo assim que declarar às Finanças ou à Segurança Social; e uma jovem que durante dois meses trabalhou numa empresa sem que houvesse qualquer contrato, auferindo assim um rendimento mais elevado.

O inspector-geral da ACT refere que há casos em que são os próprios trabalhadores a encobrir os colegas que trabalham clandestinamente, sem pensar que, no futuro, lhes pode acontecer o mesmo, pondo em causa a segurança no trabalho.

Trabalho não declarado vale 20 mil milhões de euros
Segundo um estudo realizado no final do ano passado, o trabalho não declarado em Portugal terá representado mais de 20 mil milhões de euros, cerca de dois terços do total atribuído à economia paralela.

Esta é também uma grande preocupação da Comissão Europeia que, recentemente, propôs a criação  de uma plataforma que permita reforçar  a cooperação entre os diferentes  organismos dos 28 estados membros envolvidos nesta matéria: inspecções de trabalho, segurança social e fisco.

Os dados do Eurobarómetro revelados em Março são preocupantes: um em cada 10 europeus admite ter adquirido no ano anterior bens ou serviços que envolviam trabalho não declarado. 4% dos inquiridos assumem ter auferido rendimentos do trabalho que não declararam e  há ainda uma parte - cerca de 3% - que admite ter recebido parte do salário “por fora”.

E porque é que as pessoas recorrem a este expediente? As razões são quase todas óbvias. Mais de 60% porque conseguem produtos ou serviços mais baratos. Metade dos inquiridos assume que a prática tem vantagens  económicas para ambas as partes – patrão e trabalhador, já que nenhum paga contribuições para a Segurança Social ou impostos que, em geral, consideram muito elevados.

Os europeus do Sul, em que se incluem os portugueses, são os que  referem a maior dificuldade em arranjar emprego ou a ausência de outra fonte de rendimento.

Serviços de renovação ou reparação em habitações ou automóveis, jardinagem, trabalhos domésticos e de limpezas ou guarda de crianças são aqueles em que mais abunda o trabalho de forma não declarada.

"Trabalho sem Fronteiras" é uma colaboração da Renascença com a EURANET PLUS, rede europeia de rádios.