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Vitorino e o futuro da Europa. "É preciso que os alemães venham a jogo e digam o que querem"

01 ago, 2015 • José Pedro Frazão

O antigo comissário europeu diz que os alemães têm que esclarecer se defendem um modelo que, por exemplo, passe por um euro a duas velocidades. Um cenário que não é liminarmente excluído por Pedro Santana Lopes.  

Vitorino e o futuro da Europa. "É preciso que os alemães venham a jogo e digam o que querem"
O antigo comissário europeu António Vitorino diz que os alemães têm que esclarecer se defendem um modelo que, por exemplo, passe por um euro a duas velocidades. Um cenário que não é liminarmente excluído por Pedro Santana Lopes, no programa "Fora da Caixa" da Renascença.
O ex-comissário António Vitorino apela a uma clarificação da posição alemã sobre o futuro da União Europeia e da zona euro.

O antigo ministro do PS assinala que a gestão da crise grega "mostrou uma fractura entre a França e a Alemanha”, o que leva a crer numa resposta de Berlim ao plano de François Hollande para um governo europeu com base nos países fundadores da União Europeia.

"Não me admiro que surja uma resposta alemã. Acho aliás que devemos fazer pressão para que isso aconteça. A gestão 'entre os pingos da chuva' já deu o que tinha a dar. Acabou. O problema grego está aqui, vai ficar e é preciso que os alemães venham a jogo e digam o que querem”, afirma Vitorino, no programa “Fora da Caixa” da Renascença, emitido às sextas-feiras depois das 23 horas, numa parceria com a rede de rádios Euranet.

Pedro Santana Lopes, comentador residente do programa, concorda: “Todos têm que dizer ao que vêm, o que querem para o futuro, que conclusões tiram do que aconteceu”. O antigo primeiro-ministro alude a uma pausa a caminho de uma nova fase da Europa.

"Passar 'entre os pingos da chuva' já não é possível porque já aconteceu a tempestade, quase o dilúvio. Isto quase desabou. Estamos neste momento num interlúdio. A troika voltou e isto tudo parece ficção. Há seis meses ouvimos dizer “troika nunca mais” e vemos agora esses responsáveis a entrar por aquela portinha pequena do Ministério das Finanças da Grécia, a ver se ninguém os vê. Mas é um interlúdio cheio de armadilhas. O terreno está minado”, assinala Santana Lopes no mesmo programa.

As dúvidas de Santana Lopes
Os comentadores do “Fora da Caixa” analisaram uma possível separação do euro em dois níveis, com base no debate que tem vindo a ser travado na Europa.

"A minha dúvida é se não é o euro a uma só velocidade que dá cabo do projecto europeu”, questiona Santana Lopes que sublinha não ter qualquer dogma nesta matéria. "Respeito imenso a posição de João Ferreira do Amaral, que tem uma posição conhecida sobre o euro [N.R. a favor da saída de Portugal da moeda única]. Eu tenho dúvidas, embora tenda mais, desde há vários anos, para duas velocidades nesta construção monetária. Porque tenho medo destes anacronismos, destas diferenças de níveis de desenvolvimento da economia que têm provocado os resultados que se veem e que levem mesmo ao colapso da União”, defende Santana Lopes.

O antigo primeiro-ministro reconhece que o cenário desejável seria uma reforma interna do euro actual, mas expressa dúvidas sobre essa possibilidade.

“Exagerando, podemos ter três caminhos em termos monetários para o que pode acontecer: ou o futuro traz o dracma de volta, ou traz o marco, ou então temos o euro "a duas velocidades". E há uma quarta opção que é [manter] tudo como está. E no 'tudo como está’, alguém acredita?”, Santana lança a pergunta.

António Vitorino responde com um só argumento contra a divisão entre euro forte e euro fraco. “ Os custos económicos e políticos disso para a União Europeia seriam tais que é mais rentável apostar em atacar o problema de fundo: combater os desequilíbrios dentro de uma mesma moeda".

Insistindo nas suas dúvidas – “qualquer dos caminhos é muito difícil, mas o das ‘duas velocidades’ não sei se não será inexorável” – Santana Lopes remata com uma nota sobre as dificuldades da implementação de um euro “a duas velocidades”.

"Esta porta dos dois níveis também não é nada fácil para os mais fortes. Os mais fortes têm que fazer as suas continhas. Por paradoxal que possa parecer, fazer isto pode ser um instrumento de pressão sobre os mais fortes, para saberem que estamos a pensar nisto tudo”, sentencia Santana a favor de um debate útil sobre o tema na Europa.