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Santana Lopes: "Feridas da Europa só podem ser curadas com cirurgia profunda"

31 jul, 2015 • José Pedro Frazão

No programa “Fora da Caixa”, o ex-comissário europeu António Vitorino acredita que dividir a Europa em "euro forte" e "euro fraco” equivale ao fim do projecto europeu. No habitual debate de temas europeus, às sextas-feiras, na Renascença, Santana Lopes considera irrealista a proposta de uma zona euro com um Governo de seis países apresentada por François Hollande.

Santana Lopes: "Feridas da Europa só podem ser curadas com cirurgia profunda"
No programa “Fora da Caixa”, o ex-comissário europeu António Vitorino acredita que dividir a Europa em "euro forte" e "euro fraco” equivale ao fim do projecto europeu. No habitual debate de temas europeus, às sextas-feiras, na Renascença, Santana Lopes considera irrealista a proposta de uma zona euro com um Governo de seis países apresentada por François Hollande.

A ideia de uma zona euro governada por uma “vanguarda” de países fundadores da União Europeia, sugerida pelo Presidente francês, François Hollande, é “irrealista”. É desta forma que António Vitorino e Pedro Santana Lopes classificam, no programa “Fora da Caixa” da Renascença, a proposta que vai ser detalhada em breve pelo chefe de estado de França, embora sublinhem a importância e urgência do debate.

"Para esta União Europeia, não tem condições. Mesmo no figurino institucional, seria anacrónico por exemplo, na vertente parlamentar. Temos o Parlamento que actualmente existe, depois teríamos o Parlamento com parlamentares de seis países e do próprio Parlamento Europeu. Seria um desenho institucional muito complexo”, comenta Santana Lopes sobre a proposta de Hollande.

Ainda assim, o ex-primeiro-ministro considera que a ideia faz sentido "para debater a questão das velocidades da construção europeia”, dado que "as coisas estão a ferver no plano institucional”. António Vitorino considera positivo que Hollande tente relançar um debate "inadiável, urgente, na minha opinião".

Quantas velocidades para a Europa?
A proposta do Presidente francês ressuscita um velho debate em público sobre as várias velocidades na construção do projecto europeu.

"Elas já existem, a zona euro já é uma ‘velocidade’ diferente da Europa a 28. O problema é saber quais são os países dessa ‘vanguarda’. É aí que está a questão mais delicada”, sustenta António Vitorino, no programa “Fora da Caixa".

"Para resolver um problema, a França criou outro. Quiseram resolver a questão da fractura ‘Norte/Sul’ dizendo que há aqui uma vanguarda que são os seis fundadores.  É um critério que tem 60 anos. O problema é que isto já lá não vai com os fundadores”, sublinha o ex-ministro.

Primeiro, argumenta “porque os fundadores estão muito divididos. Têm visões muito diferentes sobre o futuro da Europa. A França está mais próxima da Itália, a Alemanha está mais próxima da Holanda”.

Em segundo lugar, prossegue António Vitorino, “do ponto de vista económico, uma zona euro com um governo a seis, com aquela composição, teria os défices de competitividade  e dos desequilibrais económicos que tem a 19. A Itália e a própria França são os elos fracos daquele grupo”, argumenta.

António Vitorino lembra ainda que o lote de países fundadores não cumpre o critério de cinco países com notação “AAA” das agências de rating, essenciais para o financiamento do Mecanismo Europeu de Estabilidade junto dos mercados financeiros.

Vitorino fala num "tiro no pé porque enfraquece e não reforça”, sem contra com uma dimensão política onde não se encontram explicações para a exclusão, por exemplo, da Espanha. “Faz-se uma escolha entre a Espanha e a Itália. Isto é como na tropa? A antiguidade é um posto? Não faz sentido nenhum. A Itália é o país que do ponto de vista económico mais dificuldades tem para se adaptar ao ritmo da zona euro. A Espanha adaptar-se-á melhor. A Irlanda adaptar-se-á melhor. Há aqui uma incoerência interna na proposta”, critica o ex-comissário europeu.

Europa não escapa à faca
É neste contexto de resposta aos danos causados pela crise grega que Santana Lopes evoca a necessidade de uma “intervenção cirúrgica” de fundo.
 
"Em certa medida, a União Europeia foi ‘esventrada' por esta crise nas suas contradições mais profundas. Ficaram à mostra as suas feridas, até pondo um pouco de lado os seus atributos mais favoráveis e positivos, a capacidade de sonho que a UE teve sempre como dimensão inerente à sua vida e à sua história. Tudo isso ficou posto um pouco de lado, ficaram as feridas das contradições à mostra. Essas feridas só vão poder ser curadas com uma intervenção profunda, uma cirurgia profunda”, afirma Santana Lopes, no programa “Fora da Caixa”, emitido às sextas-feiras, depois das 23h00, na Renascença.

Afinal, a proposta de Hollande pode ser muito útil para perceber se a Alemanha acredita num euro a duas velocidades.

"Se se trata de dividir o Euro numa zona de 'euro forte' e outra de 'euro fraco', aí até reconheço alguma coerência a quem defende essa tese. Eu não estou de acordo, acho péssimo. Acho que é o fim do projecto europeu. Mas ao menos reconheço um racional, um conjunto de economias mais homogéneas que aprofundam a integração nos domínios fiscal e social e que constituiriam uma espécie de motor e vanguarda da integração na zona económica e monetária comum. Há grandes dúvidas de que a França pudesses estar nesse grupo. Não é isso que os franceses estão a pensar de certeza absoluta. A proposta de Hollande, na parte provocatória, tem essa vantagem: obriga a Alemanha a clarificar se é mesmo isso em que está a pensar ou em algo diferente", conclui António Vitorino.

O programa "Fora da Caixa" é uma parceria Renascença/Euranet, para ouvir às sextas-feiras, depois das 23h00.