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Ajuda europeia a África: "Uma luta permanente sem resultados ao virar da esquina"

26 abr, 2015 • José Pedro Frazão

Os comentadores do programa "Fora da Caixa" debatem os desafios das ajudas ao desenvolvimento dirigidas a África. Um trabalho marcado por vários obstáculos internos na União Europeia, à margem das respostas a tragédias como a do Mediterrâneo.

Ajuda europeia a África: "Uma luta permanente sem resultados ao virar da esquina"
Os comentadores do programa "Fora da Caixa" António Vitorino e Pedro Santana Lopes debatem os desafios das ajudas ao desenvolvimento dirigidas a África. Um trabalho marcado por vários obstáculos internos na União Europeia, à margem das respostas a tragédias como a do Mediterrâneo.

A "ponte" entre Europa e África continua com problemas de sustentação, apesar da recente cimeira entre os executivos das Uniões dos dois continentes, afirma o antigo comissário europeu António Vitorino no programa “Fora da Caixa” da Renascença, emitido às sextas-feiras à noite, em parceria com a Euranet - Rede Europeia de Rádios.

"O facto de haver uma cimeira entre a União Africana e a Comissão Europeia é positivo porque, com o alargamento a leste, África perdeu algum peso relativo nas prioridades da União Europeia. É graças ao empenhamento de países como Portugal, Espanha, Itália, a própria França, que África continua a ter visibilidade. Se for ao Centro e Norte da Europa verá que África não está no topo das prioridades destes países. É uma luta permanente para países como Portugal manter Africa como um dos grandes objectivos", assinala António Vitorino.

O antigo ministro socialista sublinha que as respostas de longo prazo não substituem a necessidade de respostas imediatas a desastres humanitários.

"Uma agenda para o desenvolvimento económico é de muito longo prazo. Não produz resultados ao virar da esquina. Estamos então confrontados com crises humanitárias. O Papa disse-o recentemente, há uma dimensão de sofrimento humano a que não podemos ser alheios. Não podemos dizer que o sofrimento se resolve, prometendo-lhes que dentro de 20 anos África terá um desenvolvimento espantoso. Por isso, o investimento em desenvolvimento económico é imprescindível. Isso está neste momento na agenda política europeia. Mas tenhamos consciência que não é por essa via que resolvemos as dramáticas crise humanitárias", adverte António Vitorino.

Desperdício e desconfianças
Pedro Santana Lopes ensaia o desenho de algumas prioridades na ajuda ao desenvolvimento dirigida a África.

"Em primeiro lugar, a continuação na assistência na saúde. [Depois] incrementar a área da acção social", aconselha o antigo primeiro-ministro.

Santana Lopes identifica ainda  problemas nos apoios canalizados para África. “São geralmente pouco organizados, muito avulsos. Mais poderia ser feito se [for] de modo concertado em varias zonas de África, nomeadamente por parte dos antigos países colonizadores, que têm grandes responsabilidades nessa matéria. À imaginação, acrescentaria que é necessário organização na ajuda a que se destina. E é preciso determinação. Que os governos de África sejam mais receptivos a encarar a boa vontade do lado de cá, que, por vezes, se não é mais organizada, não é por mal. Há desconfianças", conclui Santana Lopes.

António Vitorino considera que o tipo de ajuda ao desenvolvimento europeu é muito controverso.  "Há grande desperdício . Há cálculos verdadeiramente aterradores [que mostram] que só uma percentagem ínfima daquilo que é despendido pelos países europeus chega aos efectivos destinatários da ajuda ao desenvolvimento. E não se diga que é só no circuito de autocracias corruptas de Africa. Há também um conjunto de negócios de organizações da sociedade civil sediadas na Europa que beneficia muito desse tipo de transferências, com as quais se financia. Nesses casos, o dinheiro não chega aos seus destinatários".

Tragédias como as que se passam no Mediterrâneo colocam o foco nos problemas de África, conclui Vitorino. "Toda a gente repara que Africa existe na situação em que se encontra. Os refugiados e mesmo os 'emigrantes económicos' que se dirigem para a Europa são apenas uma pequena parte das pessoas que estão deslocadas no continente africano. São milhões de pessoas que vivem em condições miseráveis, debaixo da ameaça das alterações climáticas, das doenças e dos grupos de bandidos e piratas que existem em várias zonas de África".

O programa “Fora da Caixa” é uma parceria da Renascença com a Euranet, que pode ouvir às sextas-feiras depois das 23h00.