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Fora da Caixa

Santana Lopes diz que escândalos da banca são facilmente esquecidos

20 fev, 2015 • José Pedro Frazão

O caso "Swiss Leaks" é o ponto de partida para uma reflexão sobre o que deve ser feito para combater a evasão fiscal e a proliferação de paraísos fiscais. No programa Fora da Caixa, da Renascença, o antigo primeiro-ministro e o ex-comissário António Vitorino retiram lições de mais uma polémica envolvendo uma instituição financeira.

Santana Lopes diz que escândalos da banca são facilmente esquecidos
O caso Swissleaks é o ponto de partida para uma reflexão sobre o que deve ser feito para combater a evasão fiscal e a proliferação de paraísos fiscais. No programa Fora da Caixa, da Renascença, o antigo primeiro-ministro e o ex-comissário António Vitorino retiram lições de mais uma polémica envolvendo uma instituição financeira.

Elasticidade. É o termo usado por Pedro Santana Lopes para classificar a forma como as sociedades vão suportando vagas sucessivas de escândalos no sistema financeiro à escala global.

"As sociedades têm tido uma elasticidade extraordinária para aguentar estas situações e, apesar de tudo, continuarem a acreditar nas instituições financeiras. Não somos só nós, portugueses, que somos generosos. É um fenómeno à escala mundial. Porque precisamos muito delas e porque temos a noção de que são vitais para o sistema económico. Mas noutros casos, quando a confiança é abalada, não volta", afirma.

O possível candidato à Presidência da República compara estes casos com os escândalos políticos ou mesmo com profissionais de saúde. "Imagine quando uma pessoa perde a confiança num médico ou num hospital. Nunca mais lá volta. Aqui [com a banca], as pessoas tendem a esquecer e a voltar", anota Santana Lopes no programa Fora da Caixa, emitido às sextas-feiras, depois das 23h00 na Renascença.

O antigo primeiro-ministro regressa à ideia de um "Bretton Woods" da Finança: "Não sei o que é preciso acontecer mais para as pessoas se convencerem que tem que existir a tal Conferência Internacional sobre Sistema Financeiro, em que as partes têm que estar fechadas, com base nos relatórios existentes sobre as situações menos desejáveis e evitáveis que existem na banca e no sistema financeiro em geral, e pôr-lhes cobro e tomar algumas medidas drásticas que procurem restabelecer a confiança".

O ponto de partida deste debate é o caso "Swiss Leaks", divulgado por um consórcio internacional de jornalistas que teve acesso a uma lista de pessoas que teriam usado os préstimos do banco HSBC na Suíça para alegadamente fugir ao pagamento de impostos nos seus países de origem.

António Vitorino assegura que a lista que tem sido veiculada está desactualizada. "O sistema mudou, por causa da imposição americana no rescaldo da crise do 'subprime'. Mudou também porque, em Santa Maria da Feira, no Conselho Europeu da Presidência Portuguesa de 2000, foi decidido adoptar a directiva da troca de informações. Três países ficaram de fora, Luxemburgo, Áustria e um terceiro. Só trocavam informações quando a Suíça aceitasse esta condição. Quando fui comissário, negociei essa condição com a Suíça, que só a aceitou em 2012. Hoje, neste momento, toda esta camuflagem que existia está muito mais restringida".

Ainda assim, o comentador socialista não garante que não possam existir práticas semelhantes: "Há 'offshores' [paraísos fiscais] em muitos países do mundo. A começar pelos EUA, mas também em países da União Europeia. O trabalho de obrigar à transparência e ao controlo da utilização abusiva dos 'offshores' não está terminado, longe disso".

Como travar os paraísos fiscais?
Santana Lopes considera que "apertar mais a malha dos 'offshores' só [é possível] pela via do aumento das sanções para quem viole as leis dos estados-membros, [sejam] cidadãos ou sociedades que a elas recorram".  António Vitorino propõe uma receita: "No limite, a única maneira de neutralizar os 'offshores' é tornar desinteressantes, do ponto de vista financeiro, as transacções feitas a partir ou através de 'offshores'. Isto é, aplicando-lhes uma tal taxação  quando são verificadas que tornam inútil a utilização dos 'offshores".

O antigo ministro socialista considera que, para além do encapotar a detenção de capitais, a questão está no facto das vantagens fiscais que advêm das transacções a partir de 'offshores' beneficiarem de um regime de "taxa zero".

"Se nós taxarmos essas transacções de forma pesada, estamos a eliminar uma das vantagens financeiras que os 'offshores' apresentam e estamos constantemente a desincentivar o recurso aos 'offshores", argumenta Vitorino. Santana questiona-se sobre "quem é que o vai querer fazer na competição com os outros países do mundo? É muito difícil".

Cuidado com as regularizações
Questionado sobre os benefícios comparativos de uma 'regularização fiscal' que permite repatriar capitais não declarados pagando uma taxa ao Estado, Santana Lopes adverte para o carácter extraordinário que deve revestir esses programas.

"É preciso ter muita cautela na utilização desse tipo de instrumentos. Não se deve transformar em instrumentos utilizáveis com periodicidade regular. É como a velha questão das amnistias. Lembra-se quando as pessoas não pagavam as velhas multas de trânsito,porque já sabiam que vinha uma visita do Papa ou um aniversário do 25 de Abril? Aqui, se há regularizações frequentes, com alguma periodicidade, é um convite de facto à ilicitude", considera o antigo primeiro-ministro.

Já António Vitorino recua ao tempo em que estava em Bruxelas no inicio do século. "Lembro-me perfeitamente que o Governo Berlusconi fez várias regularizações fiscais e eu tinha constantemente queixas no meu gabinete [com origem no] governo alemão, dizendo que era inadmissível que se autorizassem essas regularizações fiscais. A verdade é que a União Europeia não tinha poderes para intervir sobre essa matéria, por ser matéria fiscal. Ou era decidida por unanimidade ou é de exclusiva responsabilidade de cada Estado-membro", assinala o comentador socialista.

O drama dos imigrantes que morrem ao tentar chegar à Europa através do Mediterrâneo foi outro dos assuntos abordados nesta edição do "Fora da Caixa".

O programa Fora da Caixa é uma parceria Renascença/Euranet, para ouvir todas as sextas-feiras, depois das 23h00.