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Renzi. "O bom dançarino" italiano vai ser o novo par de Angela Merkel?

12 jul, 2014 • José Pedro Frazão

O primeiro-ministro italiano entrou com estrondo na Europa com um discurso ovacionado no Parlamento Europeu. No programa Fora da Caixa da Renascença, António Vitorino e Santana Lopes comentam os desafios da presidência italiana da União Europeia.

Renzi. "O bom dançarino" italiano vai ser o novo par de Angela Merkel?
O primeiro-ministro italiano entrou com estrondo na Europa com um discurso ovacionado no Parlamento Europeu. No programa Fora da Caixa desta semana, António Vitorino e Santana Lopes comentam os desafios da presidência italiana da União Europeia.

Nada como uma cara nova para dizer que a face da Europa está cansada. Matteo Renzi, primeiro-ministro italiano, diz que é isso que vê numa “selfie”. António Vitorino gostou do que ouviu.

“A frase daquele discurso que mais me marcou foi: a Europa ensina-nos como devemos pescar o atum de maneira a causar o mínimo de sofrimento aos peixes e nada nos diz sobre a nossa obrigação de salvar os imigrantes que correm o risco de morrer afogados no Mediterrâneo. Isto é de uma brutalidade total. E tem toda a razão. Ligar esta nova linguagem a conteúdo é um ponto muito importante. Hoje a política está muito ligada aos soundbytes, frases de impacto que depois de espremidas não querem dizer nada. Este [Renzi] ao menos tem o mérito de construir frases com impacto e conteúdo”, sublinha o antigo comissário europeu.
 
Santana Lopes fala num tempo novo. Renzi chega num momento em que falta liderança política, diz o antigo primeiro-ministro. “As pessoas têm que acreditar que a União Europeia tem respostas. Numa situação como se tem vivido em Portugal como a do Grupo Espírito Santo, a décalage entre a letra dos tratados e as respostas – nacionais ou europeias – é muito grande. Nós estamos em tempo de transição, um intermezzo. É preciso solidariedade e liderança política. Porque quando existem estes hiatos e discrepâncias entre a forma e a realidade. É preciso imaginação, ousadia, rasgo para as ultrapassar”, alerta.

“Merkenzi”
A Europa é uma união de 28 países onde no fim tem prevalecido a Alemanha. Tal como numa equipa de futebol, o segredo pode estar nas “pequenas sociedades”.

Na Europa depois do par Merkel/Sarkozy veio Merkel/Hollande e agora já se fala em Merkel/Renzi. “Eu acho que pode ser um bom par”, diz Santana Lopes.

“Não digo que a senhora Merkel dance só com o senhor Renzi, porque tem com certeza muitas pessoas a convidá-la para dançar. Mas o senhor Renzi de certeza que é bom dançarino, no sentido em que, na versão clássica da dançam, o homem conduz e marca o passo. Eu acho que ele nesse aspecto tem algo de clássico. Ele de certeza que na dança com a senhora Merkel não deixa ser ela a marcar o passo”, sustenta.

A hipótese de Renzi ser um novo Hollande não cativa António Vitorino. “França continua a ser uma pedra imprescindível da reconstrução europeia. Eu não acho que a Itália possa preencher o vazio criado pelo enfraquecimento da França. Um eixo Berlim-Roma não seria um eixo substitutivo do Paris-Berlim”, defende o antigo comissário europeu.
 
As reformas que vêm de Roma
Renzi está a cortar impostos para reanimar a economia italiana. Para a Europa, o caminho apontado pelo chefe de Governo italiano é do crescimento económico.

“A economia crescerá quando as pessoas sentirem um crescimento da capacidade política da Europa, quando sentirem que estamos a trabalhar em conjunto, que não há um dueto um triunvirato ou um directório a trabalhar em termos de coesão, quando se sentir de novo a Europa com energia política, com uma ideologia de trabalho, com propósitos bem definidos”, projecta Santana Lopes.

Já António Vitorino detecta um grande problema, “a obsessão do curto-prazismo na política” . O antigo ministro socialista alerta que os resultados não aparecem logo ao virar da esquina. “As medidas que o Renzi está a aplicar em Itália – e ainda não estão todas a ser aplicadas – não vão ter retorno imediato. E uma das dificuldades de estar hoje na política é gerir estas expectativas”.
 
Algumas reformas estruturais no curto prazo têm custos, alerta Vitorino. “É preciso gastar mais dinheiro no curto prazo para conseguir efectivamente poupar a médio prazo. E é esta troca de termos que os dinheiros europeus podem ajudar”, aponta o antigo comissário para defender que sempre concordou com a proposta alemã de “reformas estruturais contratualizadas  entre os países e as instituições europeias. Isso permitia que, para cada país, aplicasse o modelo mais adequado à sua economia, porque se nós vamos tentar encontrar um fato onde todos caibam…”
 
O "ajustamento do pós-ajustamento"
Santana Lopes recorda que a Europa está à espera dos novos titulares das instituições. “ Tudo isso gera um compasso de espera significativo e alargado que leva a que se sinta que anda tudo um pouco por si. Estamos na fase do ajustamento do pós-ajustamento”.

O antigo primeiro-ministro diz que a Alemanha já está a avançar em medidas da União Bancária previstas para 2015. António Vitorino concorda que os alemães já estão na fase do pós-ajustamento. “Os alemães já compreenderam que vão ter que flexibilizar a interpretação das regras. Que ninguém peça aos alemães que engulam o que já disseram. A maneira boa de lidar com os alemães – manifestamente não é a dos brasileiros – é seguir-lhes a passada mas dando progressiva margem “ajustamento pós-ajustamento” para chegarem a posições mais razoáveis. Isto também é do interesse da Alemanha”, acentua.
 
O regresso das PPP
O papel do privado e do público deverá ser discutido de novo no quadro dos fundos estruturais, alerta Vitorino. “As parcerias público-privadas são como tudo na vida: há as boas e as más. Os problemas são os limites e as regras da sua condução. Não vale a pena anatemizar as PPP. Os “project bonds” de que se fala são uma forma de parcerias público-privadas. Há dinheiro comunitário europeu, público, que alavanca investimento privado, que é o essencial. Tem a sustentação do investimento público para ter esse efeito multiplicador. Isso vai ter que se aplicar em várias áreas dos fundos comunitários, inclusivamente num país como Portugal, fora da querela ideológica sobre o que é bom e mau no investimento público e privado”, avisa.
 
Do outro lado, sinais de concordância. “ Concordo com a ideia de que o modelo das PPP em si é um modelo bondoso e uma ideia virtuosa. O problema foram algumas aplicações e as condições que se estabelecem. Estamos num tempo de ajustamento de ideologias. Nenhum de nós sabe ao certo qual é a percentagem de investimento público e privado nas parcerias. Os dois são indispensáveis para a economia voltar a crescer. O Estado tem menos dinheiro, tem que gastar menos, mas tem que criar condições de competitividade”, remata.

O Fora da Caixa, que pode ouvir à sexta-feira a partir das 23h00, na Edição da Noite, é uma colaboração da Renascença com a EURANET PLUS, rede europeia de rádios.