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Fora da Caixa

Europa em crise social. A pobreza está também nas respostas

04 abr, 2014 • José Pedro Frazão

Pedro Santana Lopes e António Vitorino debateram o impacto da crise da zona euro nas sociedades mais atingidas pela austeridade. Deixaram críticas aos modelos de resgate, denunciando falta de sensibilidade das instituições para respostas fulcrais para países fustigados pelo desemprego e pela pobreza. Portugal foi o exemplo debatido.

Europa em crise social. A pobreza está também nas respostas
"Lendo o relatório da 11ª avaliação a Portugal, é chocante que não haja uma única vez a palavra "pobreza". É como se a pobreza não existisse na análise da aplicação do ajustamento. Isso revela aliás uma enorme insensibilidade por parte das instâncias europeias. E até uma certa cegueira", denuncia António Vitorino.O ex-comissário europeu debateu as consequências sociais da crise na zona euro com Pedro Santana Lopes no programa Fora da Caixa.

Longe da vista, longe do coração. Se as políticas sociais são responsabilidade dos estados-membros da União Europeia, Bruxelas não tem ajudado a dar atenção a esta dimensão do Continente. É a tese de António Vitorino, um ex-comissário que diz que "só se consegue sentir o problema da pobreza quando se está próximo das pessoas, dos sentimentos, dos olhos dos que sofrem de facto. E a distância física é fundamental para aliviar a consciência e não colocar a pobreza como a questão central do processo de ajustamento".

António Vitorino leu o relatório da 11.ª avaliação a Portugal e chegou a uma conclusão: "É chocante que não haja uma única vez a palavra ‘pobreza’. É como se a pobreza não existisse na análise da aplicação do ajustamento". Esta ausência revela "uma enorme insensibilidade por parte das instâncias europeias e até uma certa cegueira", defendeu o antigo ministro do PS no programa "Fora da Caixa" da Renascença. "A pobreza não existe só no terceiro mundo, existe na União Europeia."

Pedro Santana Lopes considera que a falta de uma agenda de trabalho no domínio social "é o grande pecado do ajustamento feito até aqui". O provedor da Santa Casa da Misericórdia considera que “o Estado social caiu em vários exageros” ao longo das últimas décadas. No caso português, dá o exemplo do ensino público, “ao permitir o acesso gratuito a famílias de elevados rendimentos e exactamente o mesmo tratamento do que as famílias mais carenciadas”. O social-democrata espera que se caminhe para um “Estado Solidário”, que “diferencia bem as condições sociais das pessoas, não esquece os que estão em condições mais débeis nem os trata de maneira igual aqueles que têm mais rendimentos”. 

O mesmo responsável assegura que a realidade que bate à porta das instituições é muito mais complexa do que mostram as estatísticas, nacionais e europeias. "Estes relatórios e indicadores ainda não reflectem o perigo de pobreza e o risco que existe em Portugal. Há muita pobreza disfarçada pelo apoio das famílias. Famílias que estão em situação de pobreza e financiadas por outros familiares, ascendentes, irmãos e até parentes distantes", revela Santana Lopes.

Um exemplo alemão em Portugal
António Vitorino considera que a revisão das funções sociais do Estado “é um debate muito importante” que “ainda não começou a ser feito em Portugal”. Até ao momento, só “foram feitos cortes cegos em função dos grandes volumes de verbas” para as metas do programa da “troika”, sublinha António Vitorino, uma opinião partilhada por Santana Lopes. O antigo comissário adverte que “a retracção do Estado Social não pode ser vista separadamente da luta contra as desigualdades, porque é isso que gera a angústia, para não dizer a revolta”.

A reflexão segue pelas novas formas de relação laboral, em nome da produtividade. O exemplo da Autoeuropa, projecto da alemã Volkswagen em Palmela, é citado por ambos os comentadores e introduzido pelo ex-primeiro-ministro "pela ligação da reformulação dos apoios sociais à melhoria da produtividade". "Todas essas questões têm que estar em cima da mesa para um grande consenso social, que parece quase impossível de alcançar em Portugal. Se há algo que um país ciente da sua situação devia alcançar nos próximos anos era exactamente isto: um grande consenso social em torno de medidas sociais básicas para os sectores mais protegidos ", propõe Santana Lopes.

António Vitorino conclui: "O que é importante é encontrar uma nova forma de entendimento entre os agentes do mundo laboral. A produtividade é uma questão fundamental, mas não se faz com salários baixos”.

O "Fora da Caixa" é um programa da Renascença em parceria com a rede de rádios Euranet Plus.