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Da "bipolaridade" da Comissão ao acordo energético

27 fev, 2015 • Anabela Góis/Manuela Pires/Francisco Sarsfield Cabral/Vasco Gandra

Depois dos elogios a Portugal pela forma como cumpriu o programa de ajustamento, a Comissão Europeia decidiu colocar as contas nacionais sob vigilância, por causa dos desequilíbrios excessivos, tanto no desemprego como na dívida pública.

Da "bipolaridade" da Comissão ao acordo energético

No relatório que justifica a medida, e que ontem foi conhecido, a Comissão Europeia diz que Portugal não foi capaz de lidar com o aumento repentino do desemprego e consequente aumento da pobreza nos últimos anos.

A reacção do Primeiro-ministro tardou, mas chegou. Esta manhã, Pedro Passos Coelho disse que há uma clara contradição entre a prescrição da Comissão europeia e os seus efeitos. Acusou, ainda, Bruxelas de “descoordenação”.

Para o especialista da Renascença em questões europeias, Francisco Sarsfield Cabral, “tem razão o Primeiro-ministro ao dizer que Bruxelas se esqueceu que muitas das medidas que levaram ao empobrecimento dos portugueses foram impostas pela troika”. “É um desprestígio para a Comissão Europeia, mas o FMI também tem feito o mesmo tipo de declarações e, depois, age como age”, afirma.

A decisão da Comissão Europeia de pôr Portugal sob vigilância caiu como um balde de água fria. Sobretudo, porque a França conseguiu um bónus de três anos para descer o défice até ao valor acordado, de 3%. Decisões analisadas por António Vitorino e Pedro Santana Lopes, comentadores fixos do programa “Fora da Caixa”, que mais logo cumpre um ano de emissões.

Para António Vitorino a decisão da Comissão Europeia “é compreensível”. Não seria razoável e não faria bem ao conjunto dos países do euro aplicar sanções à França nesta altura. “Só iria agravar a situação económica europeia. Não vale a pena entrar na conversa dos pequenos contra grandes e de dois pesos e duas medidas, porque devemos apoiar soluções que ajudem o conjunto da zona euro”, afirma.

De resto, o antigo comissário português sublinha que não se pode comparar França com Portugal. As realidades são muito diferentes: “França não tinha a mesma situação de Portugal. Mas esta decisão em relação a França implica que as condições aplicadas a França para não cumprir o limite do défice têm que ser aplicadas a todos os países, desde que tomem medidas para corrigir essa trajectória”, reforça António Vitorino.

Por seu lado, Pedro Santana Lopes admite que encorajar a França é o caminho correcto. Só lamenta que Portugal não tenha tido o mesmo tratamento: “Qualquer dia há regimes especiais para todos. Mas este é o caminho certo [decisão sobre França]. Para encorajar em vez de castigar. Também nós [Portugal] teríamos gostado de ouvir isto há uns anos!”.

O antigo Primeiro- ministro considera, no entanto, que a prioridade de Portugal deve ser conciliar o crescimento e a consolidação orçamental e não preocupar-se com a imagem que tem no exterior: “Portugal não tem que ser um bom aluno de ninguém. Deve dar imagem de sentido de responsabilidade. Equilibrando crescimento e consolidação. Portugal tem de encontrar o caminho do bom senso na confusão que está na Europa, para depois negociar. E não negociar por vingança”.

Francisco Sarsfield Cabral também acha que a situação não é comparável. E acha que “Portugal só está nesta situação porque teve até há bem pouco tempo o programa de assistência”.

Eurogrupo salva a Grécia “em cima do gongo”
Notícia da semana foi, também, o “sim” do Eurogrupo para o prolongamento do empréstimo à Grécia por 4 meses. Em troca Atenas apresentou uma lista de 64 medidas. Sarsfield Cabral acha que “o grande problema do Syriza vai ser agora convencer os próprios gregos” e que é muito difícil que a Grécia consiga aquilo que se propõe em apenas 4 meses. A começar pelo combate à corrupção e evasão fiscal”.

Se Atenas não conseguir cumprir, Sarsfield Cabral acha que terá de haver a ponderação sobre nova ajuda à Grécia, nomeadamente através de um novo programa. Ou se deixa “cair a Grécia”. No entanto, Bruxelas não deverá fazê-lo, porque “seria perigoso neste momento” Por um lado há Putin, por outro a Turquia (que tem o segundo maior Exército da NATO) e está a seguir um caminho mais pró-islâmico. Do ponto de vista geoestratégico seria desastroso”.

Acordo sobre pacote energético e climático até 2030
A Comissão Europeia apresentou esta semana a União para Energia, um pacote que cobre várias vertentes e com o qual pretende garantir um abastecimento de energia seguro e competitivo, e a preços acessíveis para todos.

É o projecto europeu mais ambicioso em matéria de energia desde a Comunidade do Carvão e do Aço lançada em 1951, afirmou o vice-presidente da Comissão Europeia responsável pelo projecto, Marcos Sefcovic.

Com o novo pacote, Bruxelas pretende reduzir a dependência energética dos 28 estados-membros. A União Europeia é o maior importador de energia e não quer continuar a depender de fornecedores externos que se encontram em regiões instáveis.

Por outro lado, a União Europeia para a energia aposta também na integração dos mercados nacionais e no aumento das ligações energéticas entre países. Há regiões como a Península Ibérica que são “ilhas energéticas” com escassa ligação ao resto do continente.

Por isso, o comissário europeu Carlos Moedas sublinha a importância para Portugal de reforçar as conexões energéticas. “Aquilo que nós temos hoje são 28 mercados diferentes, 28 mercados energéticos. Temos de conseguir um verdadeiro mercado único. Por isso é tão importante para Portugal que uma parte deste projecto seja a capacidade de aumentar as interconexões. Isto quer dizer que até agora vivíamos em “ilhas”. Era muito difícil passar energia de um país para o outro. Aquilo que se acordou é que, até 2020, se consiga 10% de interconexões e 15% até 2030”, afirma.

Mas, para Portugal poder atingir este objectivo, é necessário que Espanha e França façam o mesmo e aumentem as suas ligações. Este é, aliás, o tema da próxima cimeira que junta Passos Coelho, Mariano Rajoy, François Hollande e o presidente da Comissão Europeia, Jean Claude Juncker, em Madrid, no dia 4 de Março.

Com o novo pacote energético, a Comissão pretende atingir outro objectivo: a diversificação das fontes, tendo em conta que 80% da energia consumida na União Europeia assenta nos combustíveis fósseis. É necessário encontrar alternativas e, para isso, Bruxelas tem um envelope de 6 mil milhões de euros do Programa de investigação e inovação Horizonte 2020.

Para Carlos Moedas, responsável por esta pasta na Comissão, o caminho passa por” inovar e apostar em fontes alternativas”.
A única maneira de resolver o problema da energia é, através da investigação e inovação, conseguirmos ter métodos alternativos e outras fontes energéticas", garante.

O pacote energético  aprovado pela Comissão defende também a necessidade de a comunidade internacional alcançar um acordo vinculativo sobre o clima. Na cimeira de Paris, em Dezembro, a União Europeia vai defender a diminuição em 40% das emissões de gás, até 2030.

Para Francisco Sarsfield Cabral, os 28 estão “de parabéns” com este acordo, mas sobretudo para Portugal interessava a questão das Interligações entre Espanha e França, através dos Pirenéus, que permitirá ao nosso país exportar energia eléctrica que produza em excesso.