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O que ganharam a Europa e Portugal com um português a mandar em Bruxelas?

31 out, 2014 • Ricardo Conceição/Francisco Sarsfield Cabral/Marina Pimentel

Às sextas-feiras no Jornal das 13h, olhamos para a semana que passou na União Europeia em colaboração com a Euranet, a Rede Europeia de Rádios. Na edição de hoje, analisamos aquela que foi uma semana de transição para a nova Comissão Europeia e de balanços da anterior.

O que ganharam a Europa e Portugal com um português a mandar em Bruxelas?

Durão Barroso termina hoje 10 anos de mandato à frente da Comissão Europeia e, a partir de amanhã, Jean Claude Juncker entra em cena com o novo colégio de comissários.

O Primeiro-ministro elogiou hoje a forma como Durão Barroso liderou a Comissão Europeia na última década, considerando ter sido "excelente" no cargo e "um leal representante" de Portugal, apesar de ter enfrentado várias crises. Será, de resto, condecorado na próxima segunda-feira pelo Presidente da República Cavaco Silva.

Numa nota hoje divulgada pelo gabinete do Primeiro-ministro, Passos Coelho agradeceu a Durão Barroso "como português e como europeu", referindo que “a liderança do ainda presidente da Comissão Europeia levou à criação de mecanismos e programas de apoio aos países em dificuldades, como foi o caso de Portugal, Grécia e Irlanda”.

Em estúdio, Eva Gaspar, jornalista do Jornal de Negócios, Marina Pimentel, jornalista da Renascença e Francisco Sarsfield Cabral, especialista da Renascença em Assuntos Europeus, analisaram o discurso de balanço que Barroso fez no Parlamento Europeu em Estrasburgo. O “quase ex-presidente” da Comissão Europeia veio dizer que deixa a Europa numa situação “melhor” do que aquela que encontrou em 2004.

Eva Gaspar acha que o mandato foi muito complicado a partir de 2007 e que, se atendermos a esse período mais difícil, a verdade é que se deixou de questionar tanto a continuidade da União e do euro. Já Marina Pimentel não faz um balanço brilhante dos dois mandatos de Durão Barroso. No primeiro mandato “a integração dos países de Leste foi positiva, até porque se tratava de muitos países ao mesmo tempo, de economias incipientes, sem experiência democrática e pouca experiência de negociações”, depois “houve uma crise dos referendos na Holanda e França ao Tratado Institucional e Durão Barroso deu um bom contributo nessa área”. Já no segundo mandato foi tudo “mais complicado”, devido à crise do euro. Que papel jogou?

Quando houver distanciamento histórico, o que dirá a História do papel de Durão Barroso? Marina Pimentel acha que ele “não esteve à altura do lugar que ocupou”. Devia ter apresentado um caminho alternativo e limitou-se a ser a sombra da Sra.Merkel: “Parece-me curto e não é um bom caminho para a Europa”, afirma a jornalista da Renascença.

Quanto a Francisco Sarsfield Cabral, não vê o mandato numa perspectiva tão negativa. “É um facto que a Comissão Europeia perdeu poder durante o tempo de Durão Barroso, mas já tinha perdido antes, porque os Governos dos Estados-membros assim o quiseram. Depois de uma presidência fortíssima de Delors, que estava apoiado nos dois principais líderes (Kohl da Alemanha e Mitterand de França), logo a seguir foi escolhida uma personalidade fraca, Jacques Santer, que nem sequer levou o mandato até ao fim. Era óbvio que não queriam ter um presidente da Comissão forte e Barroso também perdeu com isso. Merkel não governa a Europa, mas trava-a”.

Para Eva Gaspar era “inevitável” que o eixo do poder fosse transferido para a principal capital europeia do ponto de vista financeiro, ou seja, Berlim, e com a Comissão Europeia a ter um papel secundário.

Já sobre os mecanismos de solidariedade que não existiam, foram criados em tempo recorde. Eva Gaspar recorda que “o Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira é um mecanismo que é um pequeno Fundo Monetário Europeu, tem maior capacidade de emprestar que o próprio FMI” e isso foi criado “com a casa a arder” e não é fácil encontrar soluções boas quando temos “a casa a arder”.

Marina Pimentel contrapõe. E questiona se Durão Barroso “não se devia ter batido mais pelo papel da Comissão Europeia que, durante muitos anos, foi o motor da Europa e foi guardiã dos tratados e do espírito europeu”, mas acabou por agir como “sombra de Merkel”.

E Portugal, o que ganhou com Barroso?
Durão Barroso deixou a chefia do Governo português para ir para Bruxelas e um dos argumentos foi o de que seria “bom para Portugal. Dez anos depois, Francisco Sarsfield Cabral mantém a opinião que tinha na altura: “discordei da ida dele para Bruxelas e mantenho que não foi positivo”. Ter um presidente é sempre melhor do que um comissário, mas não ganhámos muito com isso.

Para Marina Pimentel “não foi bom nem para a Europa, nem para Portugal”. Pontualmente terá ajudado Portugal, mas, do ponto de vista da saída para a crise, não lhe parece que tenha sido “uma grande ajuda”. Opinião diferente tem Eva Gaspar, que dá o exemplo do período de negociação do programa de assistência: para as várias alterações que sofreu, “julgo que falar português do outro lado foi positivo”.

Vem aí Juncker: e agora?
Jean Claude Juncker promete agora um novo ciclo em que “a austeridade não é mãe de todas as soluções”. Eva Gaspar lembra que “as circunstâncias de base mantêm-se e podem perdurar durante muito tempo”, por isso existe um risco de desilusão. Francsico Sarsfield Cabral concorda: “ele não tem margem de manobra”. Já Marina Pimentel acha que “a liberdade de pensamento e uj certo arrojo de Juncker podem fazer a diferença, trazendo mais algum prestígio a Bruxelas e fazendo um contraponto ao directório alemão”.