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O Syriza e a direita juntos. Sinfonia ou cacofonia?

26 jan, 2015 • Ricardo Conceição, enviado especial à Grécia

"Sinfonia" é uma palavra grega. A dúvida é se a música de intervenção do Syriza se mistura com os bouzoukis dos Gregos Independentes sem provocar uma insuportável cacofonia.

O Syriza e a direita juntos. Sinfonia ou cacofonia?
Esquerda e direita unidos. Partido antiausteridade Syriza vai coligar-se com os Gregos Independentes.
Um jornalista grego, de gabardina e gravata, usa os ténis que tem calçados para correr para o ponto dos directos televisivos. Os telemóveis começam a apitar e chega a notícia: já há governo.

O Syriza encontrou nos Independentes Gregos, a sexta força mais votada (4,7%, 13 deputados) o apoio necessário para formar uma maioria parlamentar que sustente o governo. Com 149 parlamentares, a Coligação de Esquerda Radical ficou a dois deputados da maioria absoluta.

Esta segunda-feira, Alexis Tsipras apresenta a pragmática solução ao Presidente da República e poderá ser empossado primeiro-ministro. Na terça-feira tomam posse os ministros, mas ainda não se conhece a composição do governo.

O Syriza apoia-se num partido de direita, com forte pendor nacionalista, para chegar ao poder. Foi o líder dos Gregos Independentes, Panos Kammenos, que anunciou o acordo depois de se reunir com Tsipras, esta segunda-feira de manhã, na sede do Syriza.

Kammenos é um dissidente da Nova Democracia (obteve 27,8% dos votos, o equivalente a 76 deputados) que sempre se manifestou contra a troika e o facto de Atenas se submeter às ordens que vêm de fora.

É um grego orgulhoso, possante e de sorriso fácil. O líder do pequeno partido surgia nos tempos de antena de olhos húmidos perante os símbolos nacionais e não hesitava em trautear enquanto um grupo de tocadores de bouzouki (instrumento de cordas tradicional grego) ensaiava melodias à beira-mar.

Kammenos acusa o ex-primeiro-ministro George Papandreou de ter traído a pátria quando negociou o memorando com a Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional.

Kammenos é conhecido pelo seu estilo intempestivo. Esta manhã, o partido escrevia nas redes sociais que o grande vencedor das eleições foi a independência, que venceu o medo. Este partido afirma que Atenas está a ser vítima de uma conspiração internacional para "sugar" as riquezas da Grécia.

Apesar de estarem em pólos ideologicamente opostos, Alexis Tsipras também o disse, na noite de domingo, que a Grécia votou pela recuperação da soberania nacional. Numa festa morna, os milhares de apoiantes do Syriza, que não conseguiram encher a praça à frente da Universidade de Atenas, Tsipras afirmou: "A Grécia deixa para trás cinco anos de humilhação e agora prossegue com optimismo".

"Desconfianças"
A noite foi longa, a solução foi rápida, mas levanta muitas dúvidas.

Uma união entre a esquerda radical e a direita nacionalista é uma possibilidade na Grécia, um país onde o orgulho patriótico fala muito alto. Mas há quem desconfie (e muito).

Niko Malcoutzis, jornalista e comentador político, é lacónico e muito directo na análise quando diz "é uma aliança tremida". Nico Malcoutzis explica que o Syria moderou o discurso nos últimos anos e que já não é o partido que era.

Sem o admitir directamente, Maricá Frangaki, fundadora do Syriza, economista, agora na militância de base, também terá as suas desconfianças, mas responde à Renascença que esta coligação "tem de resultar".

Jens Bastian é também economista, alemão e vive em Atenas há muitos anos. É um espectador muito atento da sociedade grega e mostra-se preocupado com o pragmatismo demonstrado porque "não foram exploradas alternativas". Para este economista, há profundas "diferenças ideológicas" que não se ultrapassam com facilidade.

"Sinfonia" é uma palavra grega. Significa estar de acordo, puxar para o mesmo lado, falar em uníssono. A dúvida é se a música de intervenção do Syriza se mistura com a bouzoukis dos Gregos Independentes sem provocar uma insuportável cacofonia.