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Crónica

Este Papa é que vai ser

14 mar, 2013 • Maria João Cunha, em Roma

Enquanto os sinos repicam, uma freira espanhola diz-nos que só falta saber a que Francisco responde o novo Papa. Borja, Xavier ou Assis. Sinal de mudança, esta escolha que a surpreende.

Este Papa é que vai ser
É o "bruá" que ecoa na praça que primeiro impressiona. Ou antes ainda os rostos emocionados, o saltitar incontido de gente mais jovem ou os rostos serenos deste e daquele que, sós, aguardam na expectativa. Assim que o fumo branco se anuncia, a correria nas ruas que dão acesso ao Vaticano é fremente, os corpos agigantam-se nos passos para que não lhes fuja aquele momento que sabem histórico.

Há uma praça feita de luz que se acomoda e se enche tão veloz como o anúncio de uma nova era. Uma nova era desejada, um desejo não expresso que serpenteia no ar. E a luz não lhes vem só dos holofotes apontados à praça, sai-lhes dos rostos e das palavras entusiasmadas que debitam ao telefone. E das crianças que alguns levam ao colo ou aos ombros. E dos encontros que se fazem num espaço onde qualquer outro encontro que não aquele mais esperado seria quase impossível.

A chuva que castigou durante toda a tarde vai misteriosamente abrandando.

Há ali uma menina de tranças e óculos quadradinhos, duas bandeirinhas americanas na mão, capa azul de chuva, que docilmente aceita dizer o que lhe vai na alma. Mas que felicidade. É a Bridget, do Wisconsin. E está ali porque a irmã se vai tornar freira, em Florença, e, que sorte, vai conseguir ver o Papa.

Atrás de nós estão duas raparigas de feições impossivelmente semelhantes às suas, no meio de tantas tão diferentes. Ah, afinal é uma família, uma mãe e quatro filhas jovens, olhar focado naquela grande janela, que está tão perto.

"As coisas vão piorar antes de melhorar", diz a que veste o impermeável rosa, talvez a do meio, para se manifestar confiante no ultrapassar de uma crise com que não se conforma. Porque é reconfortante pensar que mesmo que morramos pela nossa fé, é garantido que iremos para o céu. Diz isto com um sorriso cândido mas muito firme. As irmãs riem-se envergonhadas. Está ali uma activista católica. A mãe confirma: ensina as filhas em casa, cresceram católicos, é essa a realidade que vivem muito a sério.

Uma volta de 90 graus e dois rapazes aparecem afogueados. E olha!, são seminaristas a estudar em Roma. Um deles é quase tanto de Houston, Texas, como de El Salvador. A respiração mal o acompanha quando fala. "This is crazy!", diz o outro, "quem diria que conseguiríamos estar aqui", com muitas exclamações. Estavam a conduzir para a universidade, deram meia volta, estacionaram sabe-se lá onde e chegaram a tempo. "Este Papa é que vai ser." Diz o salvadorenho. "Eu sinto-o."

E há um momento ali que é paradigmático. Peço-lhes três palavras para emoldurar aquele momento. "God is Love" (Deus é Amor), atira alguém ao lado. Mais uma exclamação a pontuar a repetição do lado dos rapazes. E assim entra na conversa mais um casal. Tudo ali está em harmonia, sobretudo os pontos de vista sobre o momento que se vive, tão real que nem dá para acreditar. Parecia, mas não se conhecem. Ficaram a conhecer-se.

E depois ainda há duas californianas. Definitivamente estão aqui muitos americanos. Não são católicas, mas pelo entusiasmo dir-se-ia que são. "Muito intenso", "o Papa é uma grande figura mesmo para um agnóstico". Mal podem esperar até dizer às suas famílias que estão aqui.

As conversas desdobram-se como se folheiam páginas de livros de que se gosta muito. Aquela gente está ali a ver a História acontecer. E não cabe em si de contente. Até que o homem de branco se abeira da varanda e abre os braços sobre a multidão.

Uma freira uruguaia não contém o entusiasmo. É um Papa sul-americano! É argentino! E reclama para si também o momento, emocinada. "A América Latina é a grande força de evangelhização hoje", diz a freira que viveu na Argentina.

As palavras do Papa ecoam solenes. Mas também são um grande abraço àquela gente. Faz-se silêncio, aplaude-se, grita-se "Francesco" a plenos pulmões. Ufa! Rios de emoção que seguem em corrente por toda a praça de São Pedro.

Enquanto os sinos repicam, uma freira espanhola diz-nos que só falta saber a que Francisco responde o novo Papa. Borja, Xavier ou Assis. Sinal de mudança, esta escolha que a surpreende. E há detalhes menos importantes mas nem por isso menos significativos para ela, que não deixa de reconhecer: apareceu vestido de branco sem romeira, estola ou roquete. Pequenos gestos que podem significar uma vontade de mudança. Mas a mudança, diz, só acontece se estiver em todos.