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Chamam-lhe "o Papa corajoso"

17 fev, 2013 • Matilde Torres Pereira

No rescaldo do anúncio da resignação do Papa, a Renascença foi ouvir os sentimentos dos fiéis em duas paróquias. "Coragem" é a palavra que ressoa entre as duas, uma em Lisboa, outra nas Caldas da Rainha. Para Bento XVI, pedem-se orações.

Chamam-lhe "o Papa corajoso"

Na igreja quinhentista de Nossa Senhora do Pópulo, que significa "povo", nas Caldas da Rainha, as pedras frias erguem-se em torre para albergar os fieis que acorrem à missa de sábado. Para uma celebração às 11h00, o templo está surpreendentemente cheio, maioritariamente com senhoras de idade, mas também com um ou outro casal mais jovem. 

Durante a missa nas Caldas, o padre Luís Filipe, que veio substituir o pároco, não faz referência a Bento XVI e, no final, prefere dar a palavra aos fiéis. Os poucos que param à porta da igreja para dois dedos de conversa não se inibem de falar. É o caso de D. Olga, que preferiu omitir o apelido. Com 74 anos, já é reformada do posto que tinha como vendedora na feira da cidade.

"A renúncia do Papa, quanto a mim, e de todo o meu coração, está bem. Porque nele, segundo afirmou, a cabeça não esta a funcionar a 100% e o cargo é demasiado pesado", considera D. Olga. As comparações com João Paulo II são inevitáveis. "É um Papa que está no meu coração, mas gostei muito também deste homem, que ainda agora, na última missa que fez, disse que era pena as igrejas terem tantos hipócritas."

D. Olga toca num ponto que vários salientam: Bento XVI é um homem que não teme a ruptura nem as consequências das suas palavras mais fortes. É uma opinião partilhada por Luís Marques, de 34 anos, que destaca a frontalidade do Papa relativamente ao escândalo da pedofilia.
 
"Ele atravessou uma situação difícil, especialmente com todas aquelas situações envolvendo bispos. Ele teve também a frontalidade de encarar e de chamar à responsabilidade", diz Luís Marques. "Depois, houve aquela situação, também muito típica deste Papa, porque é um intelectual de grande relevância: a polémica com o Islão, mas que também soube levar a favor dele."

Luís Marques, actualmente desempregado, considera a renúncia "um acto de consciência pessoal" e não tem "nada a criticar". "Pelo contrário, até admiro essa atitude. Rompeu com uma tradição", sustenta. "Foi um acto de coragem."

"Inteligência fora de série"
O frio aperta nas Caldas da Rainha e os fiéis que restam começam a ter pressa para voltar a casa. Alberto Simões Cortez, 82 anos, reformado, é conciso na conversa com a Renascença. "O Papa tomou a decisão a que o próprio Espírito Santo o inspirou", refere.

"É uma pessoa com uma inteligência fora de série, um defensor da fé, e que esteve sempre ao serviço da Igreja numa humildade que as pessoas pensavam não ser possível existir numa pessoa deste género", sublinha Alberto Simões Cortez.

Já são poucas as mulheres reunidas no adro da Nossa Senhora do Pópulo. Como observa Luís Marques, entre risos, tiveram de ir a correr para casa preparar o almoço. Resta ainda João Xavier, de 23 anos, finalista de medicina veterinária. "Tive ocasião de estar com Bento XVI em Lisboa e também nas Jornadas Mundiais da Juventude em Madrid. Creio que influenciou bastante a minha vida. Dedicou muito tempo à causa da dignidade humana, da vida e da família e isso influenciou-me a mim e a toda a sociedade em geral."

Quanto à resignação, João Xavier considera-a um acto "natural", ainda que inesperado. "Se acreditamos que é para o bem dele e de toda a Igreja, é sem dúvida a vontade de Deus. Por isso, não estou preocupado e estou bastante feliz."

Antes da despedida, há ainda dentro da Igreja um dos acólitos, o qual, ao contrário do que é mais comum, já comporta uma certa idade. Na sacristia, Raul Silva, de 76 anos, confessa que "gostava que [a resignação] não tivesse acontecido", mas admira "a atitude que o Papa tomou".

O antigo professor de oficinas da Escola Secundária das Caldas diz que, ao invés das primeiras impressões - "começaram a falar muito que ele não era como o outro" -, "ele marcou pela positiva, porque a sua atitude tem sido realmente de verdade e de levar as pessoas atrás dele."

Por fim, fecham-se as portas da Igreja e a cidade retira-se para o almoço. A Renascença deixa as Caldas da Rainha e parte para Lisboa. O objectivo é o mesmo: auscultar os sentimentos dos católicos sobre a resignação de Bento XVI.

A "humildade" de aceitar a "limitação humana"
São 12h00 na Capela do Rato, em Lisboa. A missa é concorrida em qualquer dia, muito por causa do padre José Tolentino Mendonça. Este domingo, não é excepção e a congregação inventa espaço na diminuta capelinha, espalhando-se entre o coro, a nave, as salinhas adjacentes e as escadas. Para ajudar à concentração, há uma televisão que transmite aquilo que se passa no altar.

Neste primeiro domingo de Quaresma, o tema é o jejum e o deserto, apropriado para o tempo de transição pelo qual a Igreja passa. No final da oração dos fiéis, surge um pedido: "Rezemos pelo nosso Papa, Bento XVI, cujo caminho não será fácil, mas é iluminado, para que se sinta acompanhado neste tempo". O padre prossegue a exortação: "Rezemos também por nós, para que esta nova fase da Igreja seja também uma oportunidade".

No final da celebração, o ambiente é contrastante com o que se vivia nas Caldas. Aqui, pára-se à porta para conversar e esperar o cumprimento do padre, mesmo apesar da chuva que teima em querer estragar o encontro. Talvez por causa disso, os testemunhos são curtos.

Margarida Tovar Faro, reformada de 77 anos, recorre a palavras já ouvidas na Nossa Senhora do Pópulo. "Foi um acto de coragem e de muita humildade, mas faz-me um bocadinho de confusão", admite.

Já José Bouça, de 63 anos, recebeu a notícia com normalidade. "Para mim, significou a aceitação da sua condição humana, da humildade, das limitações que o ser humano tem", diz. O engenheiro civil enche-se de orgulho para contar que teve a possibilidade de estar muito perto do Papa no Centro Cultural de Belém, durante a visita de Bento XVI a Lisboa.

A surpresa com a resignação é geral. "Eu fiquei perplexa, porque não esperava nada e nada levava a imaginar que houvesse uma renúncia destas, mas achei bonito", refere Maria da Conceição Moita, professora de 67 anos. "É uma coisa muito dolorosa estar frágil fisicamente. E não só: ele deve estar muito cansado e sem capacidade física, psicológica e espiritual para dar a volta à situação da Igreja, que é muito complexa."

De Bento XVI, o que fica para a professora são as encíclicas, "em especial a carta sobre o amor". "Todos os cristãos deviam ler", recomenda.

Maria Campilho, museóloga de 59 anos, só tem elogios a tecer. "O Papa Bento XVI é o meu Papa preferido. É um Papa santo, inteligente, com grande sentido crítico e com grande sentido da bondade e da fé", afirma.

"Achei a renúncia um acto de grande coragem, de grande liberdade, de grande essencialidade e com boa abertura para nós todos pensarmos na nossa vida futura com essas mesmas características: liberdade, essencialidade e pragmatismo também", aponta Maria Campilho.

Ainda no interior da Capela do Rato, as irmãs paulinas atendem pacientemente as pessoas que se acercam da banquinha onde vendem as leituras recomendadas para a Quaresma. A irmã Maria Eliete Duarte, de 63 anos, descreve o que sentiu quando ouviu que Bento XVI se ia embora do Vaticano: "Uma grande emoção pela coragem que o Papa teve, pela sua capacidade de reflexão e de escolha, que deve ter sido uma escolha que partiu não dele, mas de Deus".

A freira também emprega a palavra "coragem" - e mais ainda. "O que mais me marcou foi a primeira vez que ele apareceu diante dos jornalistas, pela simplicidade com que se apresentou, e, a partir daí, mudei completamente a minha visão do Papa, ou, sobretudo, do Ratzinger que eu conhecia."