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Daniel Bessa sobre o GES. "Nunca se diga nunca"

20 jul, 2014 • José Bastos

O ex-ministro da Economia acredita não estar em curso qualquer processo de intervenção de Estado no BES, mas não concorda com a utilização do advérbio "nunca" na crise financeira do grupo e no Banco Espírito Santo.

Daniel Bessa sobre o GES. "Nunca se diga nunca"
Daniel Bessa sobre o GES. "Nunca se diga nunca"
O caso voltou a colocar Portugal no radar internacional pelas piores razões e foi um dos temas do Conversas Cruzadas deste domingo. O ex-ministro da Economia Daniel Bessa acredita não estar em curso qualquer processo de intervenção de Estado no BES, mas não concorda com a utilização do advérbio "nunca" na crise financeira do grupo e no Banco Espírito Santo. Já Manuel Carvalho da Silva defende ser tempo de o Estado deixar de proteger grupos financeiros.

O caso voltou a colocar Portugal no radar internacional pelas piores razões e foi um dos temas do Conversas Cruzadas deste domingo. "Vou acreditar que não está nenhum processo de intervenção do Estado. Por que não hei-de acreditar? Vou acreditar no governador do Banco de Portugal", afirma o ex-ministro da Economia Daniel Bessa.

"A única coisa com que não estou de acordo com a ministra das finanças é o dizer ‘nunca’. Até termos as respostas que Jerónimo de Sousa pretende não estamos em condições de pronunciar o 'nunca'", refere o economista.

"Sobre o Grupo Espírito Santo de tudo o que li e ouvi o que mais gostei foi da posição de Jerónimo de Sousa, líder do PCP. Teve uma posição equilibradíssima. Ouvi-o dizer duas coisas: não gostaria de ver os portugueses a pagar um novo caso e gostaria de ser melhor esclarecido no sentido de o tranquilizarem."

"Isto é exemplar do ponto de vista da contenção e da substância: já pagamos que chegue e não somos responsáveis e precisamos de ir mais longe na procura da verdade", sublinha Daniel Bessa.

Carvalho da Silva: "povo já paga sem perceber"
Manuel Carvalho da Silva defende ser tempo de o Estado deixar de proteger grupos financeiros.

"Num momento em que é preciso valorizar a economia real, incentivar trabalhadores e empresários para em Portugal encontrar caminhos de futuro, é tempo de acabar com esta protecção directa ou indirecta", sublinha o sociólogo.

"Porque o que o poder anda à procura é de encontrar uma forma de pôr o povo a pagar sem perceber que está a pagar. Mas já está a pagar: o emprego na PT e em dezenas de empresas é posto em causa com todos estes movimentos", acusa Carvalho da Silva.

Bessa reconhece uma factura elevada. "Custos para o país? São desde logo custos para muitas pessoas e empresas que, no fundo, são mais pessoas. Isto leva-nos muito longe. Não está excluído que um cliente de outro banco qualquer se veja atingido porque, por exemplo, um fundo de investimento a que aderiu nesse banco tem papel do grupo GES".

"No limite, isto leva-nos a milhares de pessoas. Depois, há o país no seu conjunto, cuja reputação internacional não tem nada a ganhar com isto", alerta o ex-ministro da Economia.

Carvalho da Silva amplia a análise. "A nível europeu, vai ter consequências como outros casos de outros países. Agora dizem, a nível europeu, que os accionistas, os credores vão ter de entrar nos prejuízos quando há desvios. Vão ter de suportar, não pode ser, dizem."

"Mas porque é que não fizeram isto no início deste processo de políticas de austeridade? Porquê? Em primeiro lugar porque os mais interessados eram os bancos alemães. Esses, como eram muito grandes, tiveram tempo para se proteger. Todo o sistema de regulação deve ser questionado", afirma o sociólogo.

"Então esta gente não sabe o que anda a fazer? O Banco de Portugal ao longo do tempo? As avaliações da ‘troika’?", questiona.

Daniel Bessa: "Estado não pode proteger accionistas"
Para Daniel Bessa, "não há razão nenhuma, absolutamente nenhuma, seja no GES, seja com quem for, para levar o Estado a colocar os contribuintes a proteger interesses accionistas".

"Como não há para proteger interesses de outra natureza, mas associados a determinados níveis de património, de sofisticação de risco", avisa.

"O depositante mais comum sim deve ser protegido. É a pessoa que tem cinco ou dez mil, seja o que for – abre a sua conta porque não vai ter o dinheiro em casa. Quero acreditar que essa garantia vai ser respeitada. Espero é não ter de pagar por isso", previne o ex-ministro.

Carvalho da Silva questiona o sistema de regulação. "Então mas não se sabia o funcionamento? Os sucessivos governos tinham tanta gente que vinha do Grupo Espírito Santo. Não digo só ministros e secretários de Estado, mas toda a órbita, empresas de consultadoria com dezenas de indivíduos a trabalhar na máquina do Estado. Eles não sabem?".

"Eles que são capazes de ir ao pormenor, de ir à alínea x do artigo y do Código do Trabalho para cortar mais um subsídio aqui, um apoio ao desemprego ali, uma pensão acolá, então não sabem? Não são capazes de ver irregularidades? Este sistema de regulação é uma fantochada", denuncia.

"É tempo de dizer aos portugueses que não são os culpados dos sacrifícios que agora estão a pagar. Não são os culpados das situações que geraram os sacrifícios que lhes estão a ser impostos. A podridão que leva à crise de Portugal é esta dos grupos Espírito Santo e outros. É dos saques, dos desvios, das manipulações que foram feitas".