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Eunice Lourenço

Portugal manda trocos para Bruxelas

01 ago, 2014 • Eunice Lourenço

Passos hesitou, repensou e fez bem em não embarcar em deslumbres com lugares europeus, pondo em risco a situação interna. A alternativa é que é má.

A piada com o nome do comissário indicado por Portugal é apetecível, mas pior que isso é que tem em si uma verdade política: Portugal manda trocos para Bruxelas. Trocos é o que, geralmente, se dá e não faz falta: são as moedas que damos ao arrumador, o resto que deixamos em cima da mesa do restaurante, a quantia que dispensamos de receber no fim de uma corrida de táxi.

Passos Coelho geriu mal este processo, como, aliás, consegue na maioria das vezes gerir mal mesmo o que lhe podia correr bem. Este era um processo que podia mostrar, por um lado, a capacidade de o Governo estabelecer pontes e consensos com o PS e, por outro, o peso que tem na Europa e a recompensa por ter voltado a ser bom aluno.

Indicar Maria Luís Albuquerque poderia garantir a Portugal uma pasta importante e até uma vice-presidência da Comissão e Jean-Claude Juncker esforçou-se por tê-la na sua equipa. Mas era impensável, perigoso e de pouco senso mudar de ministra das Finanças na actual conjuntura, com um orçamento para fazer, a execução orçamental deste ano em risco e, sobretudo, com a ameaça BES a pender sobre a cabeça de todos nós. 

Passos hesitou, repensou e fez bem em não embarcar em deslumbres com lugares europeus, pondo em risco a situação interna. A alternativa é que é má. Silva Peneda, que queria ir e que tem relação de há anos com Juncker, seria uma escolha quase de consenso nacional e que agradaria à Presidência. Maria João Rodrigues, que também queria muito, ajudaria Juncker a cumprir quotas de género, e escolhê-la seria um acto magnânimo de Passos, que calaria o PS. Maria da Graça Carvalho também cumpria as quotas, ganhou prestígio europeu nos últimos anos e tinha a vantagem de não estar colada a este Governo e à "troika".

Claro que para se poder avaliar por completo esta escolha, ainda falta saber que pasta será dada a Carlos Moedas, mas a Comissão ainda é uma equipa em formação, um jogo em que as peças vão sendo mudadas em função do peso de outras. E o Governo deixou crescer muito as expectativas e o anúncio de Carlos Moedas funcionou como o esvaziar de um balão.

Não estão em causa as qualidades técnicas e até políticas que Moedas terá. O que conta é a política. E, politicamente, Portugal escolheu um secretário de Estado esvaziado de competências, indissociável dos três anos de austeridade, colado à troika e ao primeiro-ministro e que consegue o pleno da crítica por parte da oposição. E que nem sequer é mulher como, ainda ontem foi dito pelo seu porta-voz, Juncker tanto precisa.