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A arca de Pessoa afinal são duas

13 jul, 2012 • Maria João Costa

Um grupo de investigadores estrangeiros partiu à procura de Fernando Pessoa e encontrou um espólio de inéditos, que vai desde a crítica ao salazarismo até à prosa desconhecida de Álvaro de Campos, passando pelas milhares de folhas escritas guardadas religiosamente na Biblioteca Nacional.

A arca de Pessoa afinal são duas

Jerónimo Pizarro nasceu na Colômbia e vive hoje em Portugal por causa de Fernando Pessoa. Numa sala da Biblioteca Nacional, rodeado pelo espólio do escritor, o investigador revela que havia afinal mais do que uma arca onde o poeta depositava os seus escritos.

“Há muito, muito material. É uma fonte de trabalho para 40, 50 anos”, diz o professor da Universidade dos Andes, titular da cátedra de estudos portugueses do Instituto Camões na Colômbia.

“É difícil esgotar a riqueza deste espólio. O plano é resgatar e reeditar o capital editorial da Ática, a primeira editora de Fernando Pessoa”, conta Jerónimo Pizarro, que acaba de coordenar com o italiano António Cardiello a publicação do inédito "Prosa de Álvaro de Campos". 

“O plano que temos é continuar a publicar o que Pessoa escreveu nos últimos cinco anos de vida. Isso significa dar a conhecer o muito que escreveu sobre esoterismo”, exemplifica.

Mas há mais. “Temos muitos textos de índole política, muito, muito críticos da ditadura, do salazarismo. E temos ainda que conhecer muito melhor os textos sociológicos e políticos de Fernando Pessoa entre 1930 a 1935.”

Decifrar a letra de Pessoa
Depois de já ter contribuído com oito volumes para a melhor compreensão da obra de Fernando Pessoa, Jerónimo Pizarro trabalha agora na edição de novos inéditos.

O espólio é uma espécie de "puzzle" onde é preciso juntar as peças. Neste labirinto de criação, Pessoa nem sempre facilitou a vida a quem o estuda, conta Jerónimo Pizarro, que explica que o desafio não se coloca apenas em descobrir qual dos heterónimos está a escrever, mas também em decifrar a letra.

Guardado em mais de uma centena de caixas, o espólio de Fernando Pessoa está desde 2010 digitalizado e acessível, parcialmente, por Internet através do site da Biblioteca Nacional.

Hoje, esta ferramenta de trabalho facilita a investigação, até porque há folhas no imenso espólio onde há ao mesmo tempo um aforismo de Álvaro de Campos ou um verso do "Livro do Desassossego". Percorrer este mundo de Pessoa é um trabalho de detective, já que escrevia em qualquer papel e em três línguas diferentes.

Os pessoanos
Jerónimo Pizarro teve a ajuda de outros pessoanos no trabalho de digitalização da biblioteca de Fernando Pessoa. Ao seu lado, teve o argentino de ascendência italiana Patricio Ferreno, o italiano António Cardiello e canadiana Pauly Bothe, filha de um pai alemão e uma mãe irlandesa, que trocou a vida no México por Portugal há cinco anos, depois de ter aberto um livro de Fernando Pessoa.
                              
O olhar do escritor português cegou o italiano António Cardiello, que se cruzou com o poeta através das traduções de António Tabucchi e ganhou um novo amor. Está há oito anos em Portugal.

Há seis está Patrício Ferrero, que deu os primeiros passos no português através de Pessoa e que diz ser mais fácil aprender uma língua do que entender o mundo de Fernando Pessoa.

Jerónimo, António, Pauly e Patrício juntam-se a outros nomes como o colombiano Jorge Uribe ou o americano Richard Zenith, estrangeiros que são agora também portugueses por causa de Fernando Pessoa, o autor que não se esgota.