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Bombeiros

Joaquim Marinho quer separação da Protecção Civil

27 out, 2011 • Celso Paiva Sol

Liga dos Bombeiros vai escolher uma nova direcção no fim-de-semana, no congresso marcado para o Peso da Régua. Joaquim Marinho é um dos dois candidatos à sucessão de Duarte Caldeira.

Joaquim Marinho, candidato da lista B, tem 56 anos, é professor do ensino secundário, e tem paralelamente uma longa ligação aos bombeiros. Já foi presidente do Serviço Nacional de Bombeiros antes da sua extinção em 2003 e é actualmente vogal da direcção da Escola Nacional de Bombeiros. É presidente da Federação distrital de Viseu e sócio-fundador dos voluntários de Sátão, localidade onde tem as principais ligações familiares, profissionais e até politicas, com forte militância no Partido Socialista.

Por que se candidata e que projecto tem para a Liga dos Bombeiros?
“O que me faz avançar para a Liga, neste momento, é o cumprimento de um objectivo que tinha e que tenho de introduzir mudança na Liga, quer em termos de políticas, quer em termos de prioridades, quer em termos de programa. Aquilo que eu venho observando ao longo dos últimos anos é que os bombeiros estão paralisados, anestesiados, perante um conjunto de situações que aconteceram e é importante dar-lhes vitalidade, dinâmica, capacidade de resposta, ao fim e ao cabo, dar esperança e dar-lhe voz. É um sector contraditório que, por um lado, sabe e ouve dizer que ocupa o lugar central na Protecção Civil, que é o eixo e a coluna vertebral e depois, por outro lado, um sector que está perfeitamente em perda de protagonismo e em perda de identidade. Era importante nós percebermos qual é o papel dos bombeiros, que bombeiros queremos, que missões queremos abraçar, até onde é que o Estado pode ir, se o Estado pode ou não ter forças próprias. Este é o discurso que eu penso que tem de ser feito, que é o discurso do balanço entre o papel dos bombeiros e o papel do Estado e há uma enormíssima confusão neste domínio e há uma enormíssima tendência de apropriação pelo Estado do sector dos bombeiros. Isso é absolutamente inquestionável e eu penso que esta é uma questão ideológica, é uma questão doutrinária, que importaria discutir, aprofundar, porque depois tudo o que viesse a seguir seria instrumental e acessório”.         

No sistema de protecção e socorro o que é que defende para os bombeiros? Uma maior autonomia?
“Sou perfeitamente claro nesse aspecto. Os bombeiros nos últimos anos têm estado claramente diluídos na estrutura operacional da Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), estão submetidos à cadeia operacional da ANPC e isto não tem lógica nenhuma, nem histórica, nem operacional, nem funcional. Não tem sentido nenhum que os bombeiros sejam, precisamente, de entre os cinco, o único agente de protecção civil que não tem uma direcção nacional própria, estando num patamar perfeitamente inferiorizado em relação aos demais. Aquilo que eu defendo é um organismo próprio dos bombeiros, claramente separado e autonomizado da direcção nacional de bombeiros [da ANPC], uma autonomia administrativa, financeira, patrimonial, não integrada na Autoridade Nacional de Protecção Civil, completamente separada, a todos os títulos autónoma, que seja o interlocutor do Estado junto dos bombeiros. Uma direcção nacional de bombeiros, um serviço de bombeiros ou uma direcção geral de bombeiros, o termo é absolutamente indiferente, mas que depois seja, de facto, o interlocutor e que tenha uma estrutura regional. É isto que eu defendo para os bombeiros, a separação da Autoridade Nacional de Protecção Civil, naturalmente, continuando sob a coordenação da Autoridade Nacional de Protecção Civil, mas não sob o comando da Autoridade. A Autoridade não deve comandar, deve tratar o agente bombeiros tal como trata os demais agentes e sobre isso não pode haver a mínima confusão e, enquanto nós não conseguirmos este caminho e não conseguirmos sucesso neste objectivo, não teremos identidade dos bombeiros e não teremos um tratamento igual para o principal agente de protecção civil.

Esse é uma, de alguma forma, um regresso ao passado, uma proposta para um sistema onde participou, para uma estrutura àquela que já liderou no passado?
“Há, de facto, da minha parte uma identificação plena com uma estrutura que deve ser uma estrutura do Estado, mas onde a matriz associativa e voluntária deve ter reflexo, deve ser ouvida, deve ter nível de participação e o peso dos bombeiros e a sua matriz associativa e voluntária obrigam, convidam, que o tratamento que o Estado dê a este sector não seja igual a outros agentes. Portanto, esta apropriação que há da Autoridade Nacional de Protecção Civil sobre o agente bombeiros em perfeita desigualdade do que acontece com os outros agentes não é um regresso ao passado é uma procura de igualdade de tratamento. O que provocou a diferença foi esta reforma que se fez e esta junção, a partir de 2003, que eu julgo que numa primeira abordagem teria uma visão economicista de poupança de meios e de recursos e que hoje se verifica que não tem nenhum tipo de equivalência neste momento”.                     

Como é que se financia o sistema?
Ponto um, ao longo dos anos nunca houve nenhum modelo de financiamento para bombeiros. Houve políticas de subsídio, medidas de apoio, mas nunca houve nenhum modelo de financiamento e chegou a hora de haver esse modelo, por esta razão: as famílias não têm capacidade de intervir, as empresas cada vez estão mais depauperadas financeiramente e sem possibilidades de apoiar os bombeiros, o Estado cada vez menos e, se continuarmos neste caminho, os bombeiros vão ficar absolutamente isolados, deprimidos e sem apoio de ninguém, porque ninguém está obrigado a apoiar ninguém, ninguém está vinculado a apoiar os bombeiros, esta é que é a realidade. Daí que nós façamos esta primeira pergunta no nosso modelo de financiamento: os bombeiros são ou não são estratégicos para o sector? E o Governo terá que responder a esta pergunta. E se são estratégicos para o sector, então o Governo tem de encontrar um modelo de financiamento para os bombeiros, modelo esse que, a nosso ver, parte logo deste princípio: devemos fazer uma distinção do financiamento em função da natureza económica dos serviços que os bombeiros prestam. O socorro é um bem público, tem que ser financiado por fundos públicos. O serviço de transporte de doentes e outros serviços têm natureza privada, têm um custo, têm um preço, devem ser pagos pelo utente ou pelo requisitante. Financiamento para o socorro: financiamento através de regras do Estado, claramente uma fatia do Orçamento do Estado, depois, a criação de uma taxa municipal de Protecção Civil ou, se se entender que do ponto de vista social não será a medida mais confortável e mais adequada neste momento, então uma medida alternativa que passa pela redistribuição de verbas. Todos nós hoje pagamos o nosso IMI sobre imóveis, sejam eles rústicos ou urbanos, naturais ou edificados, e cabe ao Estado, ao Governo,  fazer a redistribuição de verbas arrecadas em cada município  que, ao fim e ao cabo, recaindo sobre os imóveis, recai sobre o risco potencial que cada imóvel tem e redistribui-lo para os bombeiros. Não onera as populações, redistribui as verbas e, se assim fizer, consagra o princípio e o reconhecimento de que os bombeiros são estratégicos. Se não aceitar isto, os bombeiros não são estratégicos e a responsabilidade ficará naturalmente da parte do Governo. Nós, no nosso modelo de financiamento, não ficamos apenas por uma actualização dos prémios de exploração dos jogos sociais, que são insuficientes, nem por uma actualização dos prémios de seguros, que também são insuficientes. Vamos mais longe. O Estado tem que consagrar verbas suas para este sector e as populações têm que ser chamadas a contribuir para este sector, directamente com uma taxa ou indirectamente redistribuindo as verbas que já recebem. Como medidas complementares propomos mais: propomos que os bombeiros possam ter acesso ao uso do gasóleo agrícola, que tenham isenção do IVA sobre o gasóleo à semelhança do que acontece com empresas transportadoras que reembolsam 100% do IVA e de outras que reembolsam 50%, que haja uma alteração das comparticipações nacionais no quadro estratégico de apoio para 15% apenas e que se negoceie, por exemplo, com a EDP um tarifário especial para o fornecimento de energia eléctrica aos quartéis de bombeiros.

Nesta altura ainda não se sabe o que o Governo vai fazer na área da Protecção Civil. Por exemplo, a fusão da ANPC com o INEM, também com a Comissão de Emergência Civil, a criação de um novo organismo que junte todas estas valências e, a dada altura, falou-se mesmo de que esse organismo poderia passar para tutela do Ministério da Defesa. Qual é a sua opinião? “A minha primeira preocupação nesse aspecto é garantir a identidade dos bombeiros e os bombeiros têm de ter o seu serviço próprio, têm que ter a sua estrutura própria e o Governo terá toda a legitimidade para arrumar a Autoridade Nacional de Protecção Civil no Ministério onde entender e arrumá-la juntamente com o INEM da mesma forma como entender. O vital, e daqui não me afasto, é um serviço próprio de bombeiros, sem deixar de dizer que eu penso que, por razões de efectividade e históricas, os bombeiros sentir-se-iam melhor agregados ao Ministério da Administração Interna”.   

O que acha que o distingue da outra lista à Liga dos Bombeiros?
“Primeiro, o mote da minha campanha, a mudança. Não é possível mudar com os mesmos, os mesmos não podem fazer diferente, porque tiveram tempo para fazer diferente e não fizeram, e depois o programa. O meu programa é um programa concreto, pragmático, objectivo, que vincula, que compromete e que obriga. Não é um programa doutrinário, não é um programa ideológico, não é um programa de intenções e de compromisso, é um programa de medidas objectivas. Nós com a visita que fizemos aos 450 corpos de bombeiros fizemos o diagnóstico, identificámos problemas, ouvimos as pessoas, conhecemos os responsáveis e fizemos um programa de 102 medidas objectivas. Não fico pelo compromisso, não fico pela intenção, não fico pela proposta”.