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A refugiada bósnia que se tornou arquitecta portuguesa

04 set, 2015 • Catarina Santos

Sabina sabe o que é acordar ao som de bombas, fugir da guerra em carruagens apinhadas, deixar família para trás. E sabe o que é encontrar ajuda a milhares de quilómetros. Sabina fugiu da Bósnia há 23 anos e adoptou Portugal como casa. Hoje conta a sua história para explicar porque faz sentido acolher refugiados.

A refugiada bósnia que se tornou arquitecta portuguesa
Sabina sabe o que é acordar ao som de bombas, fugir da guerra em carruagens apinhadas, deixar família para trás. E sabe o que é encontrar ajuda a milhares de quilómetros. Sabina fugiu da Bósnia há 23 anos e adoptou Portugal como casa. Contou a sua história para explicar porque faz sentido acolher quem foge da guerra, na apresentação da Plataforma de Apoio aos Refugiados lançada esta sexta-feira em Lisboa.
O momento foi deixado para o fim. No ecrã lia-se que "o acolhimento faz a diferença" e o relógio contava já largos minutos feitos de palavras contra a indiferença, apelando à solidariedade e a sublinhar a necessidade de se afastar o "fantasma da invasão" que algumas vozes têm espalhado pela Europa.

Rui Marques, um dos mentores da nova Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR), apresentada esta sexta-feira, colocava-se na pele dos portugueses para os imaginar a perguntar se "vale a pena acolher refugiados". Foi interrompido pelo som de uma reportagem da SIC com 23 anos, que anunciava a chegada de mais de 150 refugiados da guerra da Bósnia ao aeroporto de Figo Maduro. Entre eles vinha uma menina de 12 anos, com a irmã e a mãe e a cabeça cheia de imagens confusas.

Uma mulher sobe ao palanque e avisa que não está acostumada a exposições públicas. Os olhos quase não levantam do papel que carrega a sua história. Mas a história de Sabina foi feita de adaptações constantes, que começaram muitos antes daquele dia em que aterrou em Figo Maduro.

Conta que a primeira recordação que tem da guerra "é ser acordada por um barulho estranho e desconfortável", a ditar um fim precoce à infância passada na pequena cidade de Derventa, no Norte da Bósnia. "Não me lembro das circunstâncias em que eu, a minha mãe e a minha irmã saímos de casa para ir para casa do meu avô, a 340 quilómetros, mas lembro-me do desconforto em partilhar a carruagem com dezenas de pessoas que não conhecia e sem o meu pai".

A voz de Sabina Karamehmedovic embarga-se. Engole em seco para continuar a contar que abandonaram a terra com ideia de voltar e que o pai ficou para trás para tomar conta da casa. Mas nunca mais voltaram.

"Sair rapidamente da zona de conflito significou não perder ninguém e evitar traumas maiores, mas deixámos tudo e todos. Abandonámos o nosso país sem nada. Apesar de termos uma família pequena e vivermos todos na mesma cidade - talvez da dimensão da cidade de Pombal - a guerra serviu para separar toda a gente", recorda Sabina.

Os avós paternos e uns tios foram para a Suécia, outros tios e primos para a Austrália, o avô ficou sozinho na Croácia. Sabina, a mãe e a irmã acabaram em Portugal, ajudadas pela missão Crescer em Esperança, que acolheu refugiados do conflito nos Balcãs. O pai juntou-se mais tarde.

De país de acolhimento a país adoptivo
O futuro manteve-se opaco por algum tempo, mas a visão de Portugal como lugar de passagem foi-se esbatendo aos poucos. Foi a fase "mais difícil" para Sabina. "Não é fácil ter de aprender uma língua nova, conviver com pessoas que não se conhece, sem qualquer tipo de apoio familiar". Um factor decisivo para a integração foi o casal de Soure que os acolheu. "Não nos conhecendo a nós nem à nossa cultura e não falando a nossa língua, ofereceram-se para nos ajudar por mais algum tempo.”

As duas irmãs começaram a ir à escola, as diferenças foram escorregando lentamente para um canto da memória e começaram a chamar casa a Coimbra a partir de 1996. A irmã estudou enfermagem, Sabina seguiu arquitectura.

A voz trémula vai dando lugar a um sorriso mais permanente e o testemunho termina com a fotografia de "uma verdadeira 'happy family' bósnio-portuguesa", que mostra Sabina vestida de noiva ao lado do marido português. Foi precisamente há cinco anos. Agora chama-se Sabina Godinho Karamehmedovic.

Rui Marques retoma o lugar no palanque para sublinhar que a PAR, uma iniciativa portuguesa para responder à crise de refugiados que assola a Europa, é um exemplo de acolhimento que "nasce da sociedade civil, nasce das pessoas e não fica à espera do subsídio, da decisão ou que alguém, finalmente, em termos europeus decida fazer alguma coisa". E respondeu à pergunta que adivinha na cabeça de muitos portugueses: "Vale a pena acolher e integrar refugiados."