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Reportagem. Atenas espera, sem saber o que esperar

03 jul, 2015 • Catarina Fernandes Martins, em Atenas

A capital grega fervilha. Há manifestações, filas nos multibanco, esperas por Varoufakis. Uma coisa é certa para Sandra: "Atenas é maravilhosa".

Reportagem. Atenas espera, sem saber o que esperar
Sandra Hochigger, 67 anos, está de férias em Atenas há uma semana. Trouxe dinheiro suficiente da Trinidade e Tobago, não necessitou de usar as caixas multibanco cujos levantamentos foram limitados a 60 euros diários.

Num dos restaurantes de comida rápida da praça do Parlamento grego, Sandra termina, vagarosamente, um pacote de batatas fritas e uma lata de refrigerante. Enquanto come, vai explicando à Renascença o seu espanto pelo facto de a viagem estar a correr tão bem. "Atenas é maravilhosa. Pensei que ia ter mais problemas, mas está a ser uma experiência muito prazerosa. Nem as manifestações incomodam porque se concentram todas aqui", diz.

Sandra refere-se à praça Syntagma, que nos últimos anos foi o palco dos mais emblemáticos protestos contra a austeridade na Grécia.

Atenas está, de novo, a fervilhar. Nos cafés e nas esplanadas, gregos e turistas conversam entre frappés; nas mesas dos restaurantes, os empregados de mesa fazem deslizar, sem tempo a perder, pratos de souvlaki (pequenas espetadas grelhadas com pedaços de carne e vegetais); nos cinemas ao ar livre, muito populares em Atenas, soltam-se gargalhadas e suspiros.

Há quem pergunte: "Onde está a crise?". E, no entanto, a poucos metros de toda esta normalidade, há filas com dez a 15 pessoas que esperam para levantar dinheiro, sem terem a certeza de que conseguirão fazê-lo; há centenas de jornalistas que ensaiam emissões em frente ao Parlamento ou que esperam Yanis Varoufakis junto ao Ministério das Finanças. E, em todas as esquinas, há grupos de polícias. À espera.

"60 euros. Só dá isto"
Incapazes de prever o rumo dos acontecimentos diários, os atenienses adoptaram uma normalidade que mascara a incerteza que sentem e que se revela quando começam a responder aos jornalistas.

"Levantamos dinheiro porque não sabemos se estará disponível nos dias seguintes", diz Liberios Kukis, 45 anos, dono de uma loja de souvenirs no centro da capital, antes de perceber que não consegue fazer um levantamento no multibanco onde se encontra. Recolhe o cartão da máquina e olha para o plástico, confuso. "Não percebo porquê."

O jovem atrás de Liberios não tem o mesmo problema. "60 euros. Só dá isto", diz-nos. Noutras caixas, as notas de 20 euros começam a faltar, o que significa que alguns gregos não conseguem sequer levantar o limite diário. Um homem mostra-nos o talão que confirma que esperou numa caixa errada. Só conseguiu levantar 50 euros.

Desde quarta-feira, à margem das filas que se formavam nas caixas automáticas à suas portas, os bancos começaram a admitir reformados para que estes possam recolher, cumulativamente, parte das suas pensões, sem o limite de 60 euros diários.

Uma idosa é ajudada por um funcionário de um banco, depois de desmaiar enquanto esperava para levantar a pensão. Foto: Armando Babani/EPA

Nesse dia, um grupo de reformados pertencentes ao sindicato nacional dos pensionistas esperou por Varoufakis à porta do seu ministério para lhe exigir que pudessem levantar a totalidade das suas reformas. O ministro das Finanças adiou a reunião para sexta-feira e os reformados desfilaram em protesto até ao Banco da Grécia, gritando: "Dêem-nos o nosso dinheiro de volta".

Nessa mesma quarta-feira, depois de ter falhado o pagamento de 1,6 mil milhões de euros ao FMI, a Grécia entrou em incumprimento e muitos nas ruas de Atenas desconheciam as implicações. Uma mulher disse-nos, emocionada: "Nós já não estamos no euro."

Numa farmácia ateniense, Lolas Antonius, de 57 anos, ri-se quando percebe que há outro jornalista a fazer-lhe perguntas. "É a primeira jornalista do Sul. Os outros eram todos da Alemanha", afirma à Renascença. Lolas conta que o Estado grego lhe deve mais de 30 mil euros em comparticipações, mas ignora se algum dia receberá esse dinheiro.

Há clientes a comprar medicamentos suficientes para dois meses por não saberem se poderão comprá-los depois de domingo, diz.

O "Sim" de Lojas, o "Não" de Botou
Atenas espera por domingo, mas não sabe o que esperar. Os gregos estão confusos quanto ao propósito do referendo convocado pelo primeiro-ministro, Alexis Tsipras. Os eleitores serão chamados a decidir se são ou não favoráveis a um novo acordo com os credores internacionais.

Mas há várias perguntas sem resposta. Durante toda a semana, os gregos esperaram pelo resultado das negociações entre o Governo e a "troika" para saber se o referendo se realizaria ou não. As notícias que chegavam de Bruxelas desmentiam as que se ouviam em Atenas e vice-versa. Escreveu-se que Tsipras havia capitulado, que tinha aceitado as condições dos credores e que faria campanha pelo "Sim". Pouco depois, o primeiro-ministro falava ao país para dizer que o referendo avançava e para apelar ao voto no "Não", prometendo que isso não implicaria a saída da Zona Euro.

Os gregos preparam-se como podem: reunindo dinheiro, medicamentos e produtos alimentares em casa. E tentando escolher um lado, de acordo com a maior ou menor tolerância à incerteza.


Recolher material para reciclagem, um modo de subsistência na Grécia da austeridade. Foto: Armando Babani/EPA

"Quais as consequências de dizermos 'Sim' ou dizermos 'Não'?", perguntam, retoricamente, muitos gregos com quem falamos nas ruas. "Ninguém nos explicou", lamentam.

Os que querem votar 'Sim' não conseguem sequer imaginar as consequências de um resultado negativo. Temem perder o emprego que conservam, perder as poupanças que ainda guardam nos bancos, ou ter de emigrar. O farmacêutico Lojas Antonius é um deles. "O 'Sim' é a única resposta possível", acredita.

Aqueles que sentem já não ter nada a perder acreditam que a Grécia se manterá no euro e que o Governo grego sairá reforçado nas negociações se o 'Não' vencer.

É o caso de Botou Freideriki, 47, uma antiga trabalhadora do IRS despedida em 2012. Botou e um grupo de antigos colegas estão acampados em protesto junto ao Ministério das Finanças, onde esperam que o Governo grego cumpra a promessa eleitoral de contratar os funcionários públicos "despedidos de forma inconstitucional e ilegal", como considerou o Executivo.

Botou confia no ministro das Finanças grego e quer seguir o conselho do Governo, votando 'Não' no domingo. "Achamos lógico que ele queira lutar. Varoufakis quer ajudar-nos."

Veja também: Tragicomédia grega. O teatro das negociações