02 jun, 2015 • João Carlos Malta
A crise imobiliária bateu forte em Portugal nos anos da troika, mas ainda há réplicas do abalo forte que o sector sentiu. E não houve intocáveis. Prova disso é que nem a Quinta da Marinha, expoente máximo da elite económica e política, escapou. Uma das nove empresas que fazem parte da SGPS do império residencial criado pelos Champalimaud, a Quinta da Marinha Aldeamentos Turísticos (QMAT), passou por dificuldades muito sérias. No início deste ano, a dívida total era superior a 24 milhões de euros.
Só um acordo após “longas negociações”, assinado no final da semana passada, com o BPI, principal credor da empresa, levou à salvação da QMAT. Todavia, neste documento, que encerra a questão das dívidas deste projecto imobiliário, o BPI enfatiza que o assina por entender que isso levará à recuperação desta unidade e também porque ajudará a que “outras sociedades do Grupo Quinta da Marinha” possam regularizar e reestruturar passivos perante o banco. A dívida ascendia a mais de 18 milhões de euros.
O banco recorda ainda que os activos desta empresa do grupo são também garantias hipotecárias de outras sociedades da Quinta da Marinha para com o BPI.
Perda de dois milhões de euros?
Esta instituição financeira atribuiu ao lote de 88 moradias - ainda em fase de infraestruturação -, que a Quinta da Marinha acordou passar para a propriedade do banco, no valor de quase 16 milhões de euros. Ou seja, o BPI assume, à cabeça, uma perda de dois milhões de euros. Ainda assim, as avaliações feitas em 2013 davam conta de que uma venda imediata se faria por 17 milhões de euros.
A QMAT, liderada por Miguel Sommer Champalimaud, que acumula também a presidência do grupo, nasceu com o objectivo de desenvolver dois aldeamentos turísticos, divididos em dois lotes, um com 88 moradias e outro com 60, ou seja, “148 moradias turísticas unifamiliares”.
Em 2012, foram feitas empreitadas para infra-estruturar a obra, com as instalações de água, esgotos, energia eléctrica e gás natural, tendo sido realizadas as escavações necessárias. Tudo encaminhado para um negócio de várias dezenas de milhões de euros? Errado.
O relatório de contas da empresa desse ano lança o aviso que se veio a confirmar. Nesse documento, falava-se da conjuntura económica nacional e internacional fortemente recessiva, que “resultou num decréscimo muito acentuado da procura no mercado turístico-residencial, o que motivou a suspensão das obras até que existam condições de mercado propícias”.
A envolvente socio-económica não explica tudo. "A conjuntura não explica, mas nem os mais reputados economistas puderam prever algumas das circunstâncias económico-financeiras que conduziram à crise imobiliária que todos conhecemos", afirma, em declarações escritas à Renascença, o advogado da Quinta da Marinha, Paulo Neves Antunes.
O acordo alcançado pelas partes é, na opinião do advogado, positivo. Caso contrário, "não teria sido celebrado e muito menos apresentado no âmbito de um PER como o que foi aprovado".
Falta de financimento
A QMAT explica ainda nesse relatório que a banca, neste caso o BPI, "fechou a torneira". O projecto de construção estava montado para ser uma operação de médio e longo prazo. Porém, devido à conjuntura e às “objecções levantadas pelo banco financiador, em prorrogar o prazo para a utilização dos capitais, entendeu-se por bem manter suspensa a execução do empreendimento”.
Daí para cá nada se alterou. Tudo se mantém parado e a situação da QMAT continua a deteriorar-se, a ponto de, no Processo Especial de Revitalização, no qual foi celebrado um Acordo Extrajudicial com o BPI, admitir estar “numa situação de dificuldade séria para, por falta de liquidez e por não conseguir obter crédito, cumprir pontualmente as suas obrigações perante o BPI”.
Os outros credores da QMTA eram a SGPS do grupo e o Estado, a quem a empresa deve mais de dois milhões de euros, mas a quem contesta a validade desta dívida.
À Quinta da Marinha Aldeamentos Turísticos resta agora o lote 7 como único activo, que se destina à construção de 60 moradias.