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Fora da Caixa

António Vitorino cita Jô Soares. "Corrupção na FIFA? Só contaram para você"

29 mai, 2015 • José Pedro Frazão

Os comentadores do Fora da Caixa não passam ao lado do escândalo de alegada corrupção envolvendo altos cargos na FIFA. O facto de as investigações terem origem nos Estados Unidos é assinalado com surpresa por Pedro Santana Lopes e António Vitorino, que manifestam cautela nos comentários a um caso em pleno desenvolvimento.

António Vitorino cita Jô Soares. "Corrupção na FIFA? Só contaram para você"
Os comentadores do Fora da Caixa não passam ao lado do escândalo de alegada corrupção envolvendo altos cargos na FIFA. O facto das investigações terem origem nos Estados Unidos é assinalado com surpresa por Pedro Santana Lopes e António Vitorino, que manifestam cautela nos comentários a um caso em pleno desenvolvimento.
A dois dias do Congresso da FIFA, a notícia caiu como um título alcançado depois do minuto 90. A alegação de corrupção atingiu sete altos responsáveis da Federação Internacional de Futebol, com base num inquérito desencadeado por uma procuradora norte-americana. Foram detidos na Suíça, país que também anunciou uma investigação aos processos de candidatura aos Mundiais de 2018 na Rússia e 2022 no Qatar.

" Em certa media é surpreendente que seja a dois dias do congresso que seja desencadeada esta operação e com origem em autoridades dos Estados Unidos da América. Dá que pensar", reflecte Pedro Santana Lopes para quem ainda é difícil perceber como tudo se passou. Também António Vitorino exibe cautelas, sublinhando que os pormenores do inquérito não são totalmente conhecidos.

Ainda assim, o antigo comissário europeu não se mostra surpreendido." Dá vontade de citar uma frase célebre do programa do Jô Soares. Corrupção na Fifa ? 'Só contaram para você !'. Isto não é verdadeiramente uma novidade. O que é uma novidade é que a operação tenha sido desencadeada a partir dos Estados Unidos da América e visando um conjunto de representantes da FIFA oriundos da América Latina", assinala o antigo ministro socialista.

"Um dia o espectáculo vai cansar"
As ligações do futebol aos mundos da política e dos negócios variam consoante os países. Por vezes, as duas dimensões cruzam-se por mera coincidência. Foi o que aconteceu em 2004 em Portugal, aquando do Campeonato da Europa de Futebol. Nas tribunas de honra, os chefes de governo alternavam a atenção aos jogos pelas conversas em torno de uma possível ida de Durão Barroso para a Comissão Europeia. "Recordo [isso] recordo... Se recordo...", sorri Santana Lopes, que viria a ocupar o cargo de Primeiro-Ministro no mês seguinte, substituindo Barroso.

Pedro Santana Lopes observa que o poder do futebol " é um grande poder no mundo hoje em dia. E cada vez mais. Quando eu ouço dizer que se vão buscar dois jogadores ao Real Madrid por 220 milhões de euros... e há quem diga que [alguns] só custaram 15 milhões, foi barato...E sabemos como está depois a estrutura financeira dos clubes. Há quatro ou cinco clubes no mundo que aguentam esta pedalada".

O antigo primeiro-ministro, que conta na sua biografia com uma passagem pela presidência do Sporting nos anos 90, diz que o futebol está sobre-exposto sobretudo nos media." Um dia o espectáculo também vai cansar. Não podemos deixar de prognosticar isto. A dose de futebol, nomeadamente nas televisões, é tão maciça...", desabafa Santana Lopes.

Quando Berlusconi levou o Milão para Bruxelas
O tema está aparentemente fora da caixa da política comunitária, com notáveis excepções sublinhadas por António Vitorino, profundo conhecedor da 'máquina de Bruxelas'.

"Desde a célebre imagem de um antigo Primeiro-Ministro dinamarquês que, quando ganhou o Campeonato da Europa, apareceu no Conselho Europeu com o cachecol da equipa nacional, toda a gente percebeu que o futebol era um tema que não deveria ficar em torno da mesa. Só podia dar mau resultado. Mas lembro-me de ter estado num Conselho Europeu onde o ex-Primeiro-Ministro italiano Berlusconi discorreu longamente sobre a sua política de compra e venda de jogadores do AC Milan !", recorda Vitorino. Essa mistura de funções acaba por criar "situações culturalmente engraçadas", na expressão de Santana Lopes, para quem a acumulação de cargos que é aceitável em Itália "cá seria impossível".

Os tempos estão a mudar também no futebol, sustenta Santana. " Acho que estamos a assistir a um virar de página, também com o fenómeno do crescimento da importância dos ex-jogadores no dirigismo. Michel Platini foi o primeiro caso, agora aparece o Luís Figo. Vão aparecer outros, porque estes jogadores já não são os dos outros tempos. Ganharam muito, aperfeiçoaram-se, cresceram, informaram-se, estudaram, conviveram. E hoje em dia candidatam-se a presidentes de clube, a directores desportivos, a presidentes da UEFA ou da FIFA. Julgo que vamos entrar nesse tempo, numas décadas de domínio de grandes estrelas do futebol. O que, aqui há 30 ou 40 anos, não era verosímil.