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Ascensão, queda e… ascensão (?) da maior empresa de helicópteros portuguesa

13 mai, 2015 • João Carlos Malta (texto) e Rodrigo Machado (gráficos)

É líder nacional no fornecimento e manutenção de "helis". Mas a liderança não impediu uma dívida de 154 milhões. São 270 credores a quem a empresa pede um perdão. A história da Heliportugal resume uma parte dos problemas das empresas em Portugal nas últimas décadas.

Ascensão, queda e… ascensão (?) da maior empresa de helicópteros portuguesa
Esta é uma história que sendo única pode resumir uma parte dos problemas das empresas em Portugal nas últimas décadas.

Tem de tudo. Desentendimentos entre os privados e Estados. Erros de gestão que se revelam quase fatais. E o relacionamento entre o sector empresarial e a banca, uma dependência que dá fôlego quando o tempo é de prosperidade, mas que tira a máquina de respiração artificial quando cheira a morte.

A Heliportugal é, há 32 anos, rainha dos céus nacionais no transporte de helicópteros. Mas está a braços com 270 credores a quem deve 154 milhões.

A carga financeira indesejável não deu outra hipótese à empresa senão recorrer a um Plano Especial de Revitalização (PER) para tentar reestruturar a dívida. Um plano a 20 anos, que, consoante o tipo de credor, propõe um perdão de dívida entre 15% e 50% e outras condições favoráveis para que tenha capacidade de pagar o que deve.

A Heliportugal, empresa que pertence ao universo do grupo Têxtil Manuel Gonçalves (poderoso conglomerado empresarial do Norte), tem um trabalho consistente na aviação nacional. Faz do combate aos incêndios o principal foco (venceu vários contratos com o Estado português), mas também se dedica ao transporte de passageiros, filmagens aéreas ou "heli-ambulâncias".

Tudo foi aparentemente correndo de feição até 2008, altura em que a crise mundial, segundo a empresa descreve no pedido de PER, bateu com força no sector aéreo.

Uma dependência cara
O sector público é a primeira causa apresentada para o descalabro financeiro da empresa, com sede em São Domingos de Rana, Cascais. A Renascença tentou obter uma reacção da Heliportugal, mas não obteve resposta.



O contrato com a EMA, empresa estatal de meios aéreos, entretanto liquidada, foi durante muitos anos um dos principais negócios da Heliportugal. Esta parceria permitiu à empresa durante anos penetrar em novos mercados, devido às mais-valias libertadas por estes contratos.

Mas há seis anos a dependência custou caro. A EMA deixou de pagar. A tensão foi-se adensando até se tornarem públicas as queixas pela falta de pagamentos de 14 milhões, há dois anos.

Primeira consequência desta "guerra": em média, a Heliportugal passou a facturar menos 15% por ano. Segunda: aplicação ilegal, segundo a Heliportugal, de penalizações por não cumprir com a banca.

A "perda de credibilidade junto das instituições financeiras, bem como o gradual aumento do custo financeiro associado a esta operação, tornou-a deficitária e geradora de pressões sobre a tesouraria da empresa", refere o PER.

Tornou-se cada vez mais difícil pagar a colaboradores e fornecedores. O mesmo Estado que tanto demorou a pagar à unidade de aviação apresenta-se agora como credor, através das Finanças e da Segurança Social, reclamando créditos de 2,5 milhões de euros.

O lado A e o lado B da banca
Quando o dinheiro deixa de entrar não pode sair. La Palice não escreveria melhor. Nesta altura, a Heliportugal vira-se para a banca que até aí tinha sido uma alavanca de crescimento. Prova disso é que a empresa tem 154 milhões em dívida, dos quais 84% são a quatro bancos. Ou seja, 1% dos credores detém a quase totalidade da dívida reclamada. Destaca-se o Novo Banco, à época BES, que detém 88 milhões de euros em dívida. Aliás, a queda do banco que era liderado por Ricardo Salgado é também elencada pela Heliportugal como uma das razões que a deixam à beira do precipício.

A debilidade financeira da empresa levou a banca a reestruturar o serviço da dívida. Para melhor? Não. Os "spreads" aumentaram de 1% para 5%, colocando, segundo a firma, os "custos de financiamento em patamares muito superiores aos definidos nos planos de negócio que estiveram na base da aquisição de aeronaves".

Os custos financeiros – ou seja, os pagamentos às instituições de crédito – aumentaram para os três milhões de euros/ano. Em resultado, a empresa tem tido na banca um muro muitas vezes difícil de transpor. "Não obstante os esforços da Administração… no intuito de obter financiamento para que permitisse efectuar o saneamento financeiro e estimular os negócios, tais diligências têm-se revelado insuficientes".

A culpa não é só dos outros
Mas as responsabilidades não são só dos outros. Há também lugar para os erros próprios. A empresa, liderada por Pedro Manuel Silveira, revela que, em 2008, decidiu investir numa frota de aviões. A ideia era entrar num novo mercado: o de aluguer de aviões a privados (num modelo que se queria igual à líder de mercado Netjets). O negócio parecia ter viabilidade até que a Lehman Brothers (ou a crise internacional que a queda do banco norte-americano espoletou) estragou.

A procura de aeronaves pelos executivos de todo o mundo abrandou. A Heliportugal ficou com as aeronaves, mas sem mercado. A administração ainda tentou redireccionar os aviões para a assistência médica, com a escolha de um parceiro estrangeiro, o Ministério da Saúde turco. Mas mais uma vez falhou.

Esta alternativa não gerou a rentabilidade gerada. Mais uma vez, um Estado acaba por não pagar as facturas. Neste momento, a empresa portuguesa está a discutir em tribunal o pagamento de 15 milhões de euros (o valor das perdas estimadas).

A este problema somou-se a incapacidade para pagar aos bancos o dinheiro pedido para viabilizar a compra dos aviões.

Em resultado, a administração assume que não lhes restou outra alternativa senão avançar para o PER. O negócio não aumentou, os níveis de rentabilidade não cresceram e a libertação de capital para abater à dívida não existe. Fechou-se um ciclo. Mas a empresa quer abrir outro: o da recuperação.

Ficar mais pequeno para sobreviver
A recuperação da Heliportugal tem três pilares: redução da facturação; redução dos custos; e reestruturar pagamentos de dívidas.

Em primeiro lugar, a empresa quer apostar apenas nos mercados e clientes que garantam "elevados níveis de rentabilidade" e com "menor risco de incumprimento". As dívidas do passado escaldaram a empresa. Este foco, garantem, permitirá reduzir a frota de helicópteros, através da sua venda, e o abatimento da dívida à banca.

O segundo pilar é também para encolher a empresa. Aqui no número de pessoas. Dos 29 em Setembro do ano passado, devem ficar 21 este ano. E o mesmo processo aplica-se às contratações externas.

Por fim, a reestruturação do pagamento de dívidas, que inclui perdas iniciais dos credores e uma redução das taxas de juro que contemplem o valor da Euribor, mais um "spread" de 1%.

A empresa diz ainda estar à procura no mercado internacional de novos investidores que injectem capital na empresa e já tem propostas que estão a ser estudadas. Uma delas é a de um novo investidor que poderá trazer 30 milhões de euros, dos quais 12,75 milhões seriam prontamente entregues ao Novo Banco.

Perdão ou morte
No projecto de reestruturação, a empresa, que garante não se encontrar em insolvência, faz um apelo que pode ser lido como um "ou isto ou nada", de quem sabe que não terá vida fácil nos primeiros anos de vigência do plano para as próximas duas décadas.

"Não será demais referir que os fundos de exploração anualmente gerados pela empresa (em média não superiores a 8,3 milhões de euros) são integralmente destinados ao gradual pagamento da dívida, de acordo com o plano pagamentos apresentado", começa por explicar.

Para depois rematar: "Salientamos a este propósito que a não existência do perdão da dívida previsto neste plano de reestruturação inviabilizaria a continuidade da empresa, uma vez que passaria o serviço de dívida a para montantes anuais que o negócio não iria gerar".

[Peça corrigida em relação ao nome da freguesia de Cascais em que a empresa se localiza]