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Porque falhou a YDreams? As explicações de António Câmara

23 mar, 2015 • João Carlos Malta

António Câmara quis lutar com a Tom Tom e destronar o iPhone. A luta agora é pela sobrevivência da empresa, que discute o seu futuro com 180 credores.

Porque falhou a YDreams? As explicações de António Câmara
Pensou grande, quis ser grande, mas o crescimento está a ter dores. Muitas. A YDreams, que chegou a ser considerada a empresa mais inovadora do país, está agora a discutir o futuro com 180 credores. A Renascença consultou o Processo Especial de Revitalização (PER), em que o presidente da empresa, António Câmara, explica quais os motivos que levaram a empresa a falhar e as razões porque acredita que é viável. A estratégia, a gestão e a conjuntura prejudicaram uma "empresa que estava à frente do seu tempo".

O pioneirismo da empresa, que tem sede na Costa da Caparica, era a dois níveis, segundo a própria escreve no PER: os mapas e serviços baseados em localização e os jogos baseados em localização.

No início do milénio, a YDreams batia-se taco a taco no desenvolvimento de tecnologia com empresas como a Tom Tom e a Navetch (actual Foursquare). A primeira factura agora 2,3 mil milhões de euros e a segunda 500 milhões de euros. Nessa altura, tudo eram louvores e elogios. Em 2007, António Câmara foi galardoado com o Prémio Pessoa.

A tecnológica nacional, que tem como maior accionista o Grupo Espírito Santo (através de uma capital de risco da ES Ventures), nunca passou das dezenas de milhões de euros, e actualmente tem às costas uma dívida de 18 milhões de euros que põe o futuro em risco, que levou à entrada de um PER no Tribunal do Barreiro no fim do ano passado.

Avisos antigos
A situação não é nova. Já havia avisos que vinham do passado. Nos relatórios às contas do grupo que conta com nove empresas, relativos aos anos de 2011 e 2012,a auditora francesa Mazars escreve que "os prejuízos anuais da sociedade-mãe absorveram a totalidade do capital social sendo os capitais próprios negativos pelo que a continuidade das operações depende do apoio continuado dos accionistas. A reconstituição dos capitais próprios é imprescindível".

Também em 2011, começam a surgir os primeiros sinais com rumores de problemas na empresa. Alguns trabalhadores a reclamar salários em atraso. Mas, publicamente, aparece a notícia da entrada da YDreams na Bolsa de Frankfurt.

Os últimos cinco anos foram deteriorando a saúde da empresa, até que, em Novembro deste ano, António Câmara, Edmundo Nabais Nobre e José Miguel Remédio, três dos fundadores da empresa e que figuram entre os principais accionistas, reúnem-se na margem Sul do Tejo.

Analisam a situação económica e financeira, fazem estimativas de negócio para 2014 e consultam o accionista principal, representado através da capital de risco ESV II, do grupo que entretanto se desmoronou, e chegam a uma conclusão: há que negociar com os credores para evitar o fim da empresa.

Do olimpo à dívida
O que levou a este ponto? As explicações de António Câmara aos credores, inscritas no PER, começam por reconhecer falhas a nível da gestão. O professor universitário assume que "não dispôs do talento de gestão necessário para converter a superioridade tecnológica em resultados no mercado".

Segue-se no argumentário o Portugal periférico. "A localização da empresa em Portugal impediu-a ainda de beneficiar de ecossistemas estruturados de negócios de tecnologia como são Amesterdão (Tom Tom) ou Silicon Valley (Foursquare)", explica a empresa.

Câmara e a sua equipa de gestão admitem falhas na organização e na estratégia delineada. O "sistema organizacional não permitiu que emergissem 'campeões' disponíveis para liderarem unidades de negócio focadas nestas oportunidades", reconhece.

A forma como a empresa atacou o mercado levou à aposta em projectos pagos, que sempre tiveram prioridade sobre o desenvolvimento de produtos, mais morosos e em que as receitas são incertas.

Houve uma excepção: a área de jogos em que fez um investimento considerável no desenvolvimento. Podia ter sido o início de uma nova era. Não foi. "O facto de os resultados dessa aposta terem sido negativos reforçou a preferência pelos serviços seguros, em detrimento dos produtos arriscados", sublinha a YDreams no PER.

Foto: YDreams

Conta que houve o falhanço de expectativas que não teve a adequada resposta. A conjuntura também não ajudou. Estávamos em 2009 e as expectativas de vendas chegaram a ser de 20 milhões de euros. Estava tudo contratado e adjudicado. Principal cliente: o Estado.

Tudo certo? Não, tudo errado. A crise vem e dos 20 milhões muito pouco chega. Mas, entretanto, já tinha havido um "crescimento exponencial da equipa orientada para a venda e prestação de serviços".

A anulação da maioria dos projectos incluídos neste conjunto de projectos públicos teve uma consequência imediata: um decréscimo no volume de vendas de aproximadamente 45%. E outra que daí decorreu: no final de 2010, a YDreams está uma situação de incumprimento com o Estado, e com a banca.

Mais: a crise obrigou a empresa, que tem ou teve como clientes ou parceiros empresas como a Adidas, Coca-Cola, Microsoft, L'Oréal, Carrefour, Sonae e Intel, a reduzir o número de trabalhadores de 150 no final de 2009 para 100 trabalhadores no final do ano seguinte.

Para diminuir o peso da dívida e capitalizar as diferentes unidades de negócio, a YDreams lançou um ambicioso plano de vendas de activos e angariação de investimento. No entanto, reconhecem, isso não aconteceu ao mesmo tempo que se deu um agravamento crescente da situação financeira da YDreams.

A situação, segundo a tecnológica, "põe em risco a sobrevivência da empresa" devido à pressão de credores e a exposição a potenciais processos judiciais por incumprimento de compromissos. Neste momento, esses processos entre trabalhadores e Estado somam já 22 acções judiciais.

Frase-resumo: "Nos últimos cinco anos, a YDreams sofreu com uma crise devastadora que o país tem atravessado". Os relatórios de contas da empresa presentes neste PER mostram que em 2010, 2011 e 2012, foram todos anos com resultados negativos que variaram entre prejuízos que vão desde os 1,6 milhões e os 2,5 milhões de euros.

A Renascença tentou que António Câmara comentasse estas questões. Por e-mail, o empresário respondeu que não podia emitir outro comentário que não o seguinte: "[Transmitir] a confiança absoluta que tenho na resolução da situação".

Armas para o futuro
A tecnológica afirma que continua a ser "uma empresa líder nos serviços baseados na localização (location based services), realidade aumentada, electrónica impressa e robótica".

No portefólio apresenta ainda "soluções em mais de 700 projectos, para mais de 50 empresas em mais de 25 países", em mercados como a publicidade, retalho, educação e entretenimento.

Um projecto da YDreams em Xangai, China. Foto: YDreams

Os prémios internacionais são mais que muitos e as distinções nacionais tiveram o apogeu com a nomeação como empresa mais "inovadora de Portugal em 2009".

E depois há o nome. Com créditos firmados. O reconhecimento internacional é planetário com citações em jornais internacionais como o "New York Times", o "Financial Times", o "Guardian", o "Libération", ou blogues como o Mashable ou o Cool Hunting. A CNN, a Fox e a CNBC Europe são outros meios em que a YDreams emergiu.

Na argumentação da empresa para convencer os credores promete-se que a liderança tecnológica da YDreams pode traduzir-se no comando global do mercado de "Internet of things" (Internet das coisas), estimado pela Cisco em 13,3 mil milhões de euros. Mas há uma condição: "Para o atingir tem de ultrapassar a difícil situação económica em que se encontra, e para isso decidiu candidatar-se a um PER".

A tecnológica revela ainda que há projectos que podem relançar a empresa como o "World as a Browser" (mundo como um navegador de internet), que permite partilhas nas redes sociais através de botões existentes em qualquer superfície ou suporte físico, como autocolantes, posters ou etiquetas. E há ainda uma estratégia diferente: a internacionalização é a nova ambição, com o Brasil a aparecer como destino primordial do novo GPS de negócios da empresa.

A YDreams já encetou contactos com os principais credores e avança que receptividade "tem sido muito razoável", pelo que é expectável a obtenção de acordo com dois terços dos credores, tal como o PER obriga para que tenha sucesso.

Aí se verá se o homem que chegou a dizer em entrevista ao "Jornal de Negócios", em 2008, que ele "e a maior parte das pessoas na YDreams" acharam que iam "ter um sucesso estrondoso a nível global" verá aumentada a sua realidade actual.

Na mesma entrevista disse: "Na YDreams sinto a responsabilidade de sermos bem-sucedidos e constituirmos um exemplo que ajude o país em geral".

Há sete anos garantia que aguenta muito bem o falhanço. "Se falhar, vou dar aulas de ténis para o Estádio Nacional com um balde de bolas".