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Corrupção em debate com Sócrates em plano de fundo

06 mar, 2015 • Eunice Lourenço

Parlamento discute esta sexta-feira seis projectos de lei de combate à corrupção.

Corrupção em debate com Sócrates em plano de fundo

O combate à corrupção ocupa por inteiro a agenda parlamentar desta sexta-feira. A iniciativa foi do Bloco de Esquerda, mas todos os partidos apresentam projectos de lei sobre um assunto que voltou ao debate político já depois da prisão do ex-primeiro-ministro José Sócrates e a maioria das propostas incide sobre o enriquecimento ilícito ou injustificado, com PS e Bloco de Esquerda a apresentarem projectos dirigidos em particular aos titulares e ex-titulares de cargos políticos.

O último projecto a ser entregue e também o mais polémico é o da maioria PSD-CDS que retoma a criminalização do enriquecimento ilícito, que foi chumbado em 2012 pelo Tribunal Constitucional por não definir bem o crime e inverter o ónus da prova. Agora, depois de semanas de negociações, a maioria parlamentar tenta contornar essas debilidades. PSD e CDS propõem pena até três anos para “quem por si ou por interposta pessoa, singular ou colectiva, obtiver um acréscimo patrimonial ou fruir continuadamente de um património incompatível com os seus rendimentos e bens declarados”.

Por bens e rendimentos declarados entende-se as declarações fiscais e quando a “incompatibilidade” entre os anos sucessivos com o património for superior a 500 salários mínimos, a pena de prisão pode ir até cinco anos. Se for inferior a 350 salários mínimos, não é punível.

Por exemplo, alguém que compre a pronto uma casa 250 mil euros acima dos seus rendimentos incorre na pena máxima, mas se a casa for só 174 mil euros acima das suas possibilidades a “incompatibilidade” não é punível. No caso de o infractor ser um titular de cargo político ou de alto cargo público os valores descem e a pena é agravada e pode ir até aos oito anos de prisão.

Penalizações para os políticos
Já o PS apresenta um projecto de lei dirigido apenas aos titulares de cargos políticos e equipados. Os socialistas recuperam um projecto de 2011, quando António José Seguro liderava o partido, que foi rejeitado por todos os outros grupos parlamentares. Agora, quanto a corrupção e o enriquecimento ilícito voltaram ao debate político, o actual líder António costa, foi a uma reunião do grupo parlamentar dizer que o PS não podia recear este debate e tinha de entrar nele de cabeça erguida.

O projecto socialista, basicamente, reforma o regime de controlo dos acréscimos patrimoniais não justificados ou não declarados por parte de titulares de cargos políticos. As declarações continuam a ser obrigatórias, mas passam a poder ser feitas e consultadas electronicamente e acrescenta-se mais uma “declaração final actualizada” a ser entregue três anos após o fim do exercício da função. Passa a ser punível a falta de entrega das declarações, constituindo crime de desobediência e podendo os respectivos titulares perder o mandato.

O Tribunal Constitucional deve comunicar as omissões e infracções às autoridades tributárias e requerer a apreensão cautelar dos rendimentos ou do património não justificados.

O Bloco de Esquerda vai muito mais longe e prevê a criação, junto do Tribunal Constitucional, de uma “Entidade de transparência dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos” e estende o período de apresentação obrigatória de declarações de rendimento e património até seis anos depois e deixarem os cargos. O regime proposto pelo Bloco abrange não só políticos, mas também os administradores de empresas participadas pelo Estado e do sector empresarial local, assim como os membros dos gabinetes e titulares de cargos públicos. Ficam também sujeitos a um regime de incompatibilidades muito mais apertado e mais prolongado: durante seis naos não podem, por exemplo, intervir em contractos do Estado ou servir de árbitros ou de peritos em processos em que o Estado seja parte.

Neste projecto de lei relativo só aos titulares de cargos políticos ou altos cargos público, o Bloco considera crime a não participação de património de “valor elevado”, estabelecendo em 50 mil euros o “valor elevado”. A não apresentação de declaração pode ser punida com pena de prisão até cinco anos e o património é declarado perdido em favor do Estado.

Tributação do enriquecimento
Ainda no campo do enriquecimento, o Bloco de Esquerda e o PCP também apresentam projectos para combater o que preferem chamar de “enriquecimento injustificado”. Assim, o Bloco quer que sempre que um contribuinte com rendimentos superiores a 25 mil euros tenha um bem 20 por cento acima dos seus rendimentos tenham de justificar a origem desse bem ou riqueza. Se não o fizer será tributado a 100 por cento. Para além da averiguação de crimes tributários, o processo deve ser remetido para o Ministério Público para apuramento de eventual conduta criminosa.

Para o PCP, é preciso passar a comunicar e justificar à Autoridade Tributária a aquisição de património ou rendimentos de “valor significativamente elevado “, acima de 100 mil euros. Os comunistas, que recuperam também propostas de 2011, prevêem penas de prisão até cinco anos em caso de incumprimento do dever de declaração, mas que podem ir até oito anos quando há “enriquecimento injustificado de funcionário” ou de titular de cargo político.

Para o debate desta sexta-feira, os comunistas apresentaram também um projecto de lei de reforço ao combate da criminalidade económica, limitando as relações comerciais com entidades sedeadas em centros off-shore e ainda um projecto de resolução em que propõe que o Estado português adopte um plano de acção nacional e internacional para a extinção destes centros.

Além do debate, os projectos também vão ser votados esta sexta-feira e a maioria PSD-CDS está disponível para deixar passar à especialidade todos os projectos sobre enriquecimento – ilícito ou injustificado – de forma a obter um consenso para a votação final.