Tempo
|

"Se a RTP deixasse de existir, provavelmente, ninguém daria por isso"

02 mar, 2015 • Ricardo Vieira (texto) e Joana Bourgard (vídeo)

Numa altura em que a nova administração faz planos para o futuro da RTP, Henrique Garcia e Joaquim Furtado, dois jornalistas com muitos anos de televisão, dizem o que pensam do serviço público.

"Se a RTP deixasse de existir, provavelmente, ninguém daria por isso"
Numa altura em que a nova administração faz planos para o futuro da RTP, os jornalistas veteranos Henrique Garcia e Joaquim Furtado fala da "sua" televisão pública. Henrique Garcia afirma que quase nada distingue a RTP das concorrentes SIC e TVI e se o serviço público acabasse "ninguém daria por isso". Joaquim Furtado considera que é inevitável que a RTP também faça televisão a pensar nas audiências.

Dois veteranos do jornalismo português sentam-se no sofá, tomam o comando nas suas mãos e olham para a RTP. Henrique Garcia e Joaquim Furtado têm visões diferentes para o futuro do serviço público de televisão.
 
Henrique Garcia entrou para a Rádio Televisão Portuguesa em 1979, ainda na era do preto e branco. Muito crítico, o actual jornalista da TVI afirma que “se o serviço público deixasse de existir neste momento, provavelmente, ninguém daria por isso”, porque os telespectadores “estariam servidos com os outros canais que existem”.

Numa altura em que a nova administração da RTP, liderada por Gonçalo Reis, conhece os cantos à casa, Henrique Garcia considera que deve ser “tudo repensando”. Garcia defende uma mudança de rumo: uma televisão pública com uma programação “alternativa”, diferenciada dos concorrentes SIC e TVI e fora da “guerra” das audiências. “O mais perto do serviço público que encontro na RTP é a RTP2”, sublinha.

Joaquim Furtado foi uma das vozes do 25 de Abril e também tem história na televisão pública. Na sua opinião, não há volta a dar, sendo “inevitável” que a RTP também trabalhe para as audiências.

“Se a RTP fizer uma ruptura abrupta e colocar no ar aquilo que é indiscutivelmente serviço público, corre o risco de não servir um espaço suficientemente amplo de população e, com isso, baixar radicalmente as suas audiências. Significaria também dar um argumento a quem acha que o serviço público não é necessário e que não tendo audiências isso seria a prova de que ele não faz falta, porque as pessoas não vêem”, adverte.

Teatro na TV e mais reportagem
Henrique Garcia “esperaria mais qualidade” na RTP e programas que o “prendessem” ao pequeno écran. Gostava que houvesse mais “grande reportagem feita em português” e noticiários menos longos. Sente também a falta de ver peças de teatro na televisão pública e mais ficção nacional, “sem ser a telenovela”.

“Preferiria outro tipo de produtos mais elaborados, mais ricos, portanto, mais caros, portanto mais dificilmente suportáveis por um orçamento que encolhe, encolhe, encolhe”, admite o pivot da TVI 24.

E quanto à Liga dos Campeões em futebol que contribuiu para a saída da anterior administração da RTP? “Aí está uma coisa que eu acho que não faz sentido, qual é o serviço público aí”, responde o jornalista.

Joaquim Furtado, autor da série documental “A Guerra”, também não vê  todos os programas que achava que deviam existir na estação pública. Quer mais documentários jornalísticos e ficção sobre “temas da história mais ou menos recente portuguesa”.

Furtado também quer rir. Gostava que a programação da RTP tivesse mais humor, “qualquer coisa similar” ao noticiário satírico norte-americano “Daily Show” e “menos políticos” a dar opinião.

Em relação à concorrência, Joaquim Furtado defende o serviço público. Considera que a “RTP nunca atinge determinados padrões que são mais populistas, com menos qualidade que os privados”, mas isso tem um custo. 

O custo “incomportável” do serviço público?
Para Joaquim Furtado, o problema de a RTP cumprir ou não a missão de serviço público  também está ligado ao “financiamento de que o operador dispõe”.

O antigo director de informação e programação sublinha que o actual modelo de financiamento, assente nas receitas da publicidade na taxa audiovisual paga pelos portugueses na factura da electricidade, “tem sido considerado insuficiente” pelas várias administrações. E Furtado cita um estudo da BBC, segundo o qual, nos países onde o financiamento da televisão pública é mais forte, há também efeitos positivos para os privados. A qualidade e as receitas aumentam e há mais pluralismo.

Já Henrique Garcia argumenta que o custo do actual serviço público de televisão “é tal que torna incomportável a viabilidade da empresa” e pergunta: “Não valeria a pena pegar nesse dinheiro e aplicá-lo na Educação, na Saúde, onde há pessoas a morrer?”

Garcia sustenta que o único aspecto que diferencia a RTP da SIC e TVI é a forma de financiamento e mostra-se pessimista em relação ao futuro dos meios de comunicação em Portugal.

“Talvez isso resulte do excesso de oferta que há, da grande disputa de mercado que os privados já fariam entre si, mas são obrigados a fazer com uma outra entidade semi-pública [a RTP], que não se entende muito bem se é pública ou se é privada. Vive à custa do erário público, à custa de todos os contribuintes, como também vai tirar uma fatia, embora menor, do bolo às televisões comerciais. É essa ambiguidade que é preciso resolver de uma vez por todas”, conclui.