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Ditador apoiou o Carnaval do Rio. E então? "Se não fosse o crime, Carnaval era bagunça"

21 fev, 2015 • João Almeida Moreira, no Brasil

A Guiné Equatorial deu 3,5 milhões de euros à escola vencedora. Sambista relativizia: "Se hoje temos o maior espectáculo visual do mundo, devemos agradecer à contravenção".

Ditador apoiou o Carnaval do Rio. E então? "Se não fosse o crime, Carnaval era bagunça"
Num ano de vacas magras no Carnaval do Rio de Janeiro, um apoio causou polémica: o governo da Guiné Equatorial, recém-membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), doou dez milhões de reais (perto de 3,5 milhões de euros) à Escola de Samba Beija-Flor, de Nilópolis, vencedora do Carnaval do Rio de Janeiro de 2015.

Luiz Marcondes, mais conhecido por Neguinho da Beija-Flor, o sambista de 65 anos que é a alma da escola, relativizou na quinta-feira a polémica.

"Se hoje temos o maior espectáculo visual do mundo, devemos agradecer à contravenção [termo equivalente a crime menor e normalmente associado a milicianos e donos de bancas do ilegal jogo do bicho, de apostas ilegais]", disse à Rádio Gaúcha.

"Se não tivéssemos a contravenção a meter a mão no bolso, a organizar, estaríamos ainda naquele ponto de ver bancadas a cair, os desfiles a acabar às duas horas da tarde, cada escola a desfilar duas e três horas e à hora que queria… Mas graças à contravenção tudo se organizou", afirmou Neguinho da Beija-Flor.

Neguinho da Beija-Flor, que desfila desde 1970, falava a propósito do patrocínio dado pela ditadura de Teodoro Obiang à sua escola, considerado decisivo para a vitória. "Deixa todo o mundo falar, deixa falar: se está nos media é bom para nós", ironizou.

Luiz Fernando Vianna, colunista do jornal "Folha de São Paulo", já havia escrito, antes da entrevista do sambista, que "o apoio de uma ditadura africana sangrenta e corrupta não chega a destoar" num evento "comandado por contraventores, mafiosos e ex-torturadores".

Os Obiang e o samba
A relação entre a escola e a Guiné Equatorial começou em 2013 quando, a convite de Teodorin Obiang, filho de Teodoro Obiang, a escola se apresentou nas comemorações dos 45 anos da independência do país.

Já em 2014, uma delegação da Beija-Flor viajou a Malabo, a capital da Guiné Equatorial, para pedir patrocínio para o Carnaval deste ano. E assim nasceu o enredo vencedor, "Um griô conta a história: um olhar sobre África e o despontar da Guiné Equatorial". Griô é um contador de histórias orais, de acordo com a mitologia africana.


Lula da Silva e Teodoro Obiang, em 2008. Foto: Rodrigues Pozzebom/ABr

Teodorin Obiang hospedou-se nos últimos dias na suite presidencial do Copacabana Palace, luxuoso hotel na orla do Rio e reservou mais seis suites para a sua comitiva.

O patrocínio do regime de Obiang foi a excepção num ano de vacas magras no Carnaval carioca. O governo do estado cortou os 500 mil reais (cerca de 170 mil euros) oferecidos a cada uma das 12 escolas do Grupo Especial. A Petrobrás, petrolífera estatal envolvida num escândalo de corrupção, atrasou o tradicional patrocínio de um milhão de reais (perto de 350 mil euros).

O elogio de Lula
O ditador Obiang e o seu filho Teodorin são próximos do governo brasileiro, lembra o jornal "Folha de São Paulo".

Em 2010, o então Presidente Lula da Silva esteve no país acompanhado de donos de empreiteiras e elogiou Obiang, ditador desde 1979 do país com maior PIB per capita de África, por causa da produção de petróleo, mas apenas 144º do mundo no ranking do índice de desenvolvimento humano da ONU.

O filho do ditador, segundo "O Globo", é proprietário de dois imóveis em São Paulo e um no Rio de Janeiro, avaliados em mais de 200 milhões de euros.