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Os casos de corrupção estão a minar o orgulho brasileiro

05 fev, 2015 • Maria João Costa

A escritora Nélida Piñon, que acaba de lançar em Portugal mais um livro, considera que o Brasil precisa de um “grande estadista”.

Diz que a imaginação é um órgão vivo. Confessa que não gosta de contar histórias quando chega de uma viagem, mas tem uma memória prodigiosa que a faz não esquecer um detalhe quando quebra o silêncio. Nélida Piñon, escritora brasileira que no próximo dia 16 de Fevereiro vai receber no Museu Reina Sofia em Madrid o Prémio El Ojo Crítico Iberoamericano atribuído pela Rádio Nacional de Espanha, esteve em Lisboa a lançar a nova edição do romance “A República dos Sonhos”.

A obra lançada no Brasil em 1984 relata a história de uma família que acaba por ser espelho das mudanças políticas do Brasil. Em “A República dos Sonhos”, segundo a autora, “a família é um pretexto, uma personagem”. Em entrevista à Renascença, Nélida Piñon fala sobre a República “destinada ao fracasso” e olha para a actual situação do Brasil.

A autora, que venceu o Prémio Príncipe das Astúrias em 2005, é crítica quando diz que o Brasil "exige um grande estadista" face ao actual “momento de grande complexidade” que vive. Nélida Piñon questiona, face ao “país imenso com 250 milhões de habitantes”, como é que todas as exigências serão atendidas. “É difícil imaginar que nós devagar aligeiramos a miséria. Sabemos que não é verdade”.

Face ao que designa de “sofrimentos muito grandes” de que o país padece, Nélida Piñon fala na necessidade de um “grande estadista”, mas lembra que quer na Europa, quer na América Latina não há grandes estadistas. Para a escritora de “O Livro das Horas” “um grande estadista “é uma pessoa excepcional que tem de ter coragem de se defrontar com a História e contrariar os interesses da História em nome de um bem maior”.

Questionada sobre os casos de corrupção que afectam o país, a escritora sublinha que não se tratam de casos de “corrupção doméstica”. A “magnitude está a minar órgãos essências da história do Brasil e do orgulho brasileiro”, conclui. Repetindo que o seu país vive momentos difíceis, a escritora com raízes galegas diz que não sabe se o Brasil saberá ou poderá encontrar uma solução face a “tantos descalabros ao mesmo tempo”.

“Educação não é uma exigência burguesa”, afirma Nélida Piñon. A autora brasileira considera que é um direito do povo e uma “obrigação do Estado e da sociedade”. Segundo a escritora, o cidadão não pode ser “condenado ao desterro da falta de educação”.

Nesta entrevista em Lisboa, depois da sessão de lançamento de “A República dos Sonhos” em que estiveram presentes o ensaísta Eduardo Lourenço, as escritoras Lídia Jorge, Leonor Xavier, Inês Pedrosa - que fez a apresentação do livro - ou a jovem promessa da literatura brasileira Tatiana Salem Levy, Nélida Piñon falou ainda do processo de escrita. A autora, que considera que os autores de língua portuguesa sofrem de uma certa “periferia”, diz que ainda sente “uma frescura, um desejo profundo de pensar e escrever”. Não sente que repete, quer sempre inovar, conta e conclui que “a imaginação não vem de graça, ela pede subsídios”, mas “é um “órgão vivo".