Emissão Renascença | Ouvir Online

Relatora da ONU. Poder judicial português "não pode estar de joelhos”

03 fev, 2015

Especialista visitou Portugal e analisou conquistas e desafios do país. Na mira estiveram também os atrasos da justiça e o apoio judiciário, assim como a protecção dada as crianças, aos migrantes e às mulheres vítimas de violência doméstica.

Relatora da ONU. Poder judicial português "não pode estar de joelhos”
A relatora do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que o poder judicial português "não pode estar de joelhos, com o chapeuzinho na mão, aguardando recursos financeiros e administrativos" para funcionar. Gabriela Knaul falou esta terça-feira, em Lisboa, após uma visita de oito dias a Portugal para elaborar um relatório sobre o sistema judiciário português.
A relatora do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) afirmou que o poder judicial português "não pode estar de joelhos, com o chapeuzinho na mão, aguardando recursos financeiros e administrativos" para funcionar.

Gabriela Knaul falava esta terça-feira, em Lisboa, após uma visita de oito dias a Portugal para elaborar um relatório sobre o sistema judiciário, em que também serão abordadas questões ligadas ao acesso à justiça, tribunal constitucional, reforma do mapa judiciário, estatuto dos magistrados e violência doméstica.

"O que me preocupa mais no que diz respeito a Portugal é, realmente, a questão orçamental", sublinhou Gabriela Knaul, observando que o poder judicial "não pode estar de joelhos" e de "chapeuzinho na mão" à espera que lhe sejam dados recursos financeiros, administrativos e outras medidas, tudo isto sem "poder fazer nada" enquanto os "prazos passam" e não se apuram responsabilidades pelas falhas do sistema.

Lembrou, a propósito, que tanto os orçamentos para os Tribunais da Relação e de primeira instância e do Ministério Público são actualmente administrados através do Ministério da Justiça, o que "parece limitar as possibilidades de responsabilização de juízes e procuradores pela eficiência na execução das suas actividades".

A relatora da ONU recomendou, assim, que seja dada maior autonomia orçamental, financeira e administrativa aos tribunais e ao Ministério Público.

Gabriela Knaut considerou, por outro lado, que o Tribunal Constitucional tem um papel central na preservação de direitos e garantias conquistados com a democracia e que é "sabido que o TC está sob fortíssima pressão em razão da fiscalização que fez de medidas tidas por muitos como inconstitucionais, adoptadas pelo poder executivo a fim de reduzir gastos públicos".

O facto de o Constitucional ter declarado a inconstitucionalidade de algumas dessas medidas foi mencionado por diversos interlocutores como um "indicador da independência do judiciário português", disse.

Cuidado com as pressas
Defendeu que Portugal deve garantir que a justiça seja "acessível a todos", numa altura em que o risco de pobreza atinge hoje um em cada cinco portugueses. Também os reclusos devem ter o direito a serem defendidos por um advogado.

"As dificuldades no acesso à justiça têm um impacto ainda mais alarmante em grupos que são particularmente vulneráveis à violência, tais como presos, mulheres, crianças e adolescentes", referiu Gabriela Knaut, acrescentando que a violência doméstica também é reconhecida pelo Governo português como "uma grande preocupação".

Quanto à reforma do mapa judiciário, a principal preocupação detectada prende-se com a "rapidez com que as mudanças ocorreram num sistema que tinha problemas evidentes e que não estava completamente apto a mudar o seu funcionamento de maneira acelerada".

"O colapso do sistema informático (Citius), em Setembro, é talvez o indicador mais preocupante da excessiva pressa na condução da reforma judicial", notou.

A visita de Gabriela Knaul insere-se na preparação de um relatório sobre o sistema judicial português, que será apresentado ao Conselho de Direitos Humanos, em Junho deste ano.