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O gourmet e o saudável estão a tramar a McDonald's?

31 jan, 2015 • Inês Alberti

As vendas da McDonald's registam os piores valores dos últimos anos. De quem é a culpa?

O gourmet e o saudável estão a tramar a McDonald
Há 75 anos os irmãos Richard e Maurice McDonald abriam o primeiro do que viria a ser a maior cadeia de restaurantes de "fast-food" no mundo. Longe vão os tempos em que o menu da McDonald’s tinha 25 produtos e um hambúrguer custava 15 centavos.

Actualmente, com centenas de produtos à venda nos mais de 36 mil restaurantes pelo globo que servem cerca de 70 milhões de clientes todos os dias, o império McDonald’s começa a ficar para trás no mercado da restauração.

No dia 23 de Janeiro de 2015, a empresa anunciou a sua primeira queda em vendas "like-for-like" (variação das vendas excluindo expansão, aquisição ou outros eventos que podem afectar os registos) nos últimos 13 anos.

Segundo o relatório anual da empresa relativo a 2014, os lucros da multinacional norte-americana desceram 15% de 5,586 milhões de dólares (4.947 milhões de euros) em 2013 para 4,758 milhões (4.213 milhões de euros).

O mesmo documento mostra que as vendas diminuíram cerca de 20% em Dezembro, relativamente ao ano anterior.

"2014 foi um ano de desafios para a McDonald’s à volta do mundo. (…) Os nossos negócios continuam a enfrentar ventos contrários significativos", considerou Don Thompson, director executivo da empresa no relatório anual.

Uma semana depois da publicação do relatório pessimista, o director executivo – há 15 anos à frente da McDonald’s – anunciou uma "reforma antecipada".

Os piores hambúrgueres da América?
A firma culpou os gastos em impostos, problemas com fornecedores na China e ainda "problemas de confiança dos consumidores" dos mercados europeus e "particularmente na Rússia e na China".

Mas os problemas do gigante dos hambúrgueres não serão apenas os impostos ou os conflitos na Ucrânia: está também na mudança dos consumidores e naquilo que eles procuram num restaurante.


Concorrentes como a In-N-Out investiram na ideia do "verdadeiro hambúrguer" americano. Foto: Flickr

Um inquérito ao consumidor, feito nos Estados Unidos em Julho, mostrou que os norte-americanos consideram os hambúrgueres da McDonald’s os piores na América, dois lugares abaixo do Burger King. A Ucrânia pouco ou nada terá a ver com isso.

Uma das grandes tarefas que a McDonald’s tem pela frente é a atracção de públicos mais jovens, nomeadamente a "Geração Y" – pessoas nascidas entre o final dos anos 80 e o princípio do milénio – que gosta de jantar fora mas prefere opções mais saudáveis, personalizáveis, orgânicas e de produção local.

Um estudo recente, citado pelo canal ABC News, diz que os americanos gastam cerca de 602 mil milhões de euros por ano em restaurantes, mas cada vez menos em cadeias de "fast-food".

Mais opções, mais filas
Para ir ao encontro da procura deste público, a McDonald’s criou, por exemplo, em Dezembro de 2014, a possibilidade "Cria o teu Gosto", que permite personalizar os hambúrgueres.

Também aumentou o número de itens no menu, nomeadamente produtos mais "gourmet" – como os McWraps e os produtos de cafetaria – e criou um plataforma online (em Fevereiro de 2013) para os seus clientes colocarem questões sobre a empresa, à procura da tal transparência.

Contudo, estas duas medidas afectaram o serviço ao cliente, que ficou mais lento (um estudo revela que os serviços de "drive-through" em restaurantes de "fast-food" são os mais lentos dos últimos 17 anos) mas também a relação da McDonald’s com os seus 'franchisados' que não têm mãos a medir com mais de 200 produtos na lista.

Segundo a imprensa norte-americana, a McDonald’s também precisa de um novo produto "milagre" ou, como diz o canal CBS, "noutras palavras, quando é que foi a última vez que ouviu alguém dizer ‘Vamos ao McDonald’s experimentar o novo (X)?'. Isso já não acontece".

OSegundo o "Wall Street Journal", o último produto "milagre" da empresa foi criado em 2003: o McGriddle, um hambúrguer de pequeno-almoço que é servido entre duas panquecas (na foto à esquerda).

Há ainda o problema dos preços, um conflito entre os produtos mais gourmet – e portanto mais caros – que atraem uma nova clientela, e os clássicos, que os clientes mais conservadores querem continuar a ter a preços baixos.

A solução não deve passar pela oferta de mais de 200 produtos que confundem o consumidor mas pela simplificação para aquilo que o McDonald’s sempre fez: hambúrgueres e batatas fritas.

Outras cadeias de restaurantes de hambúrgueres nos Estados Unidos, como a Shake Shack, a Habit Burger Grill ou a In-N-Out, investiram nessa ideia do "verdadeiro hambúrguer" americano e têm estado a captar o mercado que vai desistindo das batatas com 19 ingredientes vendidas na McDonald’s.

Easterbrook, homem com uma missão
Steve Easterbrook, o novo director executivo da multinacional, vai de encontro com essa estratégia de "simplificação".

O"[A McDonald’s] chegou ao topo das cadeias de fast-food por ser confortável, familiar, icónico (…) e conveniente.

Nenhum destes factores, contudo, está tão em alta como estava há uma década atrás na lista de prioridades dos consumidores. Um segmento crescente das pessoas que vão a restaurantes estão a escolher o 'fresco e o saudável' em vez do "rápido e conveniente", e a McDonald’s está a ter problemas a convencer os consumidores que é os dois. Ou que pode ser os dois", disse Easterbrook numa entrevista.

Em 2006 Steve tornou-se director executivo da McDonald’s Reino Unido, onde o restaurante era associado às más condições de trabalho e higiene. Em apenas dois anos, as vendas subiram 10%.

Enquanto "Don Thompson tentou tudo de uma vez", como descreve a revista "Fortune", os investidores esperam que Easterbrook simplifique o que já foi simples e que leve a "César o que é de César".