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Reportagem

Bainhe vai voltar a ver graças a voluntários portugueses

28 jan, 2015 • Luís Fonseca, da agência Lusa

Na Guiné-Bissau, há muita cegueira evitável. Muitos ficam cegos por causa de problemas para os quais já há solução. Contra esta realidade, um grupo de voluntários portugueses empreende a "Missão Visão".

Bainhe vai voltar a ver graças a voluntários portugueses
Bainhe Chaque ri-se às gargalhadas quando lhe perguntam como está, porque vai poder voltar a ver o que o rodeia: "Já não tenho idade para me meter com mulheres, mas se passarem por mim vou poder olhar para elas".

Aos 64 anos e sem gastar um tostão, o guineense acabou de ser operado às cataratas, já em estado agravado, como quase todos os casos diagnosticados na Guiné-Bissau: acabam em cegueira, mas podem ser revertidos.

No país é muito difícil ter acesso a serviços de saúde. São raros e, quando há, poucos têm dinheiro para os pagar ou informação para lá chegar – a maioria da população é analfabeta.

"Muitas pessoas ficam cegas por causa de problemas para os quais já há solução", explica à Lusa o médico oftalmologista Dionísio Cortesão.

Ele e outros dez médicos e enfermeiros são voluntários: pagaram as viagens de avião de Portugal para a Guiné-Bissau, bem como todas as outras despesas para ficar 11 dias a dar consultas e a realizar cirurgias no Hospital de Cumura, nos arredores de Bissau.

É a quinta "Missão Visão", que funciona sob a alçada da fundação católica João XXIII e que, ano após ano, angaria consumíveis e reúne médicos e enfermeiros através do "passa a palavra".

Em oito dias de voluntariado, a equipa já tinha operado cerca de 70 pessoas e prestado quase 700 consultas. E havia ainda mais dois dias pela frente.

"Cerca de quatro quintos dos doentes que operamos têm menos de 10% de visão em cada olho ou são totalmente cegos", descreve Dionísio Cortesão.

"Quero é ver bem"
Na Guiné-Bissau este grupo de médicos depara-se com problemas comuns, como glaucoma, ou outros mais raros, como o tracoma, uma inflamação crónica que podia ser evitada com um antibiótico no tempo certo.

Mas a doença que se destaca "são as cataratas, aqui num grau muito mais dramático" daquilo a que os médicos estão acostumados a observar na Europa e com um impacto muito mais grave na vida dos pacientes.

É o caso de Amadu Balde, 75 anos, que perdeu quase toda a visão.

"Mal consigo ver quem está à minha frente", conta, depois da consulta onde foi encaminhado para cirurgia.  "Não tenho medo nenhum de ser operado. Quero é ver bem."


Foto: Luís Fonseca/Lusa

As intervenções são feitas num bloco operatório do Hospital de Cumura, no mesmo piso térreo das consultas, duas portas ao lado, onde à equipa portuguesa se juntam médicos guineenses.

"Aprendemos a usar esta tecnologia mais avançada", refere Seco Indjai, médico da Guiné-Bissau que não perde a oportunidade de trabalhar com os colegas portugueses. "Temos muita cegueira evitável e acho que isso pelo menos vamos conseguir resolver" graças às indicações que recebeu, realçou.

"Transformar vidas"
A formação no exercício da actividade poderá fazer com que um dia se cumpra o sonho do líder da missão, o oftalmologista Luís Gonçalves.

"O meu sonho era daqui a algum tempo poder vir cá, à Guiné, e não precisar de fazer cirurgia nenhuma por estarem os colegas de cá a trabalhar. E eu venho passar umas férias", descreveu.

Enquanto isso não acontece, outras missões repletas de trabalho diário vão seguir-se. Esta quinta-feira à tarde é tempo de fazer o balanço e um inventário que servirá para preparar a missão do próximo ano.

Os médicos oftalmologistas prometem regressar para "transformar vidas".