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Opinião de Pedro Leal. Como se olha para um ano que acaba assim?

18 dez, 2014 • Pedro Leal

Olhando para 2014, o quadro é negro. Não em relação ao passado, pois esse já é história, mas em relação ao futuro.

Opinião de Pedro Leal. Como se olha para um ano que acaba assim?
Em retrospectiva, a vida parece sempre mais pesada, fatal. Olhar para 2014 no seu todo agrava este sentimento. Os impossíveis multiplicam-se: quando se acredita que nada podia ser pior, algo ultrapassa todas as expectativas. 2014 foi assim, como mostramos na radiografia do ano, que publicamos esta sexta-feira.

Conhecido o caso BES, surge de imediato a sensação de que este é o verdadeiro escândalo!

O que não podia estar a acontecer. Engano. A seguir, surge a operação "Marquês". Em consequência, José Sócrates é detido.

Em perspectiva, tudo o resto parece menos grave, mas não é. Entre o fim da troika, com uma herança social pesada, o caos na justiça, a teimosia na educação, temos ainda os vistos "gold", que na Administração Interna queimam um ministro. E um caso, Tecnoforma, que salpica o primeiro-ministro.

Lá fora, o mesmo sentimento. Quando a Al-Qaeda parecia ser o expoente do irracional, surge o Estado Islâmico, que Clara Ferreira Alves sintetizou numa frase certeira: "A Disneylândia dos terroristas".

Tudo o resto parece de menor gravidade, mas não é: a débil situação na Ucrânia, a tensão com a Rússia, o número de crianças mortas na ofensiva israelita, os refugiados na Turquia, o dilema sírio, o drama dos emigrantes africanos que morrem à porta da Europa, a paralisação da União Europeia e a tensão racial nos Estados Unidos, recordando imagens que nos habituamos a ver na década de 60 do século passado.

A enquadrar tudo isto, uma outra realidade de 2014, mais silenciosa, mas de igual modo grave e denunciada em Lisboa já neste mês de Dezembro: o controlo dos governos pelo capital das grandes conglomerações económicas, o que enfraquece e reduz a democracia a um quase teatro de província.

A denúncia surge pela voz do cardeal Oscar Maradiaga, que coordena o grupo de nove conselheiros do Papa Francisco.

Diz Oscar Maradiaga: "A economia tomou conta da política. Manda na política. E às vezes pensamos que os políticos são os que decidem. E não são. São os grandes consórcios económicos. São esses grandes lóbis de dinheiro que ordenam aos políticos o que têm que fazer. Quando o 'deus dinheiro' está a reinar, pouco espaço sobra para o bem-comum. Vocês não têm ideia da importância dos grandes consórcios económicos dos EUA, que inclusivamente acusaram o Papa Francisco de ser comunista simplesmente porque lhes disse uma verdade: este tipo de economia mata. E isso não o podem aceitar".

Neste esquema de poderes, quando o princípio da política é subvertido, o cidadão reduz-se à condição de peão e vive um simulacro: nada pode e nada controla.

Olhando para 2014, o quadro é negro. Não em relação ao passado, pois esse já é história, mas em relação ao futuro.

Como, com um balanço do ano, se pode começar a transformar o tempo que aí vem? Segue uma proposta para um momento de introspecção: analisar a vida a partir de uma fotografia de criança. Uma fotografia daquelas situações em que conseguimos ver a inocência em estado puro. A partir desse momento, analisar o caminho percorrido, o que mudou e o que seria necessário para se regressar ao estado puro da inocência.

Por que não fazemos isso ao mundo, ao nosso pequeno mundo? Por que não começamos 2015 a ver o mundo no seu estado de inocência? E qual seria essa fotografia? A nossa. A nossa fotografia de infância. A tal que revela o estado puro em que tudo é possível. E a partir daqui só temos que nos impor uma condição: sermos exigentes, tal como éramos em crianças. Exigentes com quem vamos eleger em 2015, com a forma como participamos no processo democrático, com a forma como não aceitamos retóricas populistas, com a forma como não aceitamos a miséria económica, social e moral. Exigentes com os partidos, o Governo, com os patrões e os sindicatos. Exigente com o outro.

E é isto possível? É. Veja-se o exemplo de Malala Yousufzai. A vida desta jovem paquistanesa prova que se pode ser diferente. Sobreviveu ao ataque talibã e é hoje uma voz sem medo. De resistência. À saída do hospital, em 2013, onde esteve entre a vida e a morte, recuperou de imediato a exigência e regressou à sua luta: "Hoje podem ver que estou viva. (…) Quero servir, quero servir o povo. Quero que todas as raparigas, todas as crianças, sejam educadas".

Malala Yousufzai ganhou o Nobel da Paz 2014 e dedicou o prémio "a todas as crianças sem voz".

Veja o especial multimédia Radiografia 2014