Emissão Renascença | Ouvir Online

Mais de metade dos jornalistas sub-40 já pensou abandonar a profissão

15 dez, 2014 • João Carlos Malta

Estudo do ISCTE conclui que 62% dos jornalistas com menos de 40 anos consideram provável ou muito provável serem despedidos.

Mais de metade dos jornalistas sub-40 já pensou abandonar a profissão
Quase dois terços dos jornalistas com menos de 40 anos já pensaram em abandonar o jornalismo em resultado da precariedade laboral da profissão, revela um estudo coordenado pelo director do doutoramento em Ciências da Comunicação do ISCTE, José Rebelo.

Esta é uma das conclusões do trabalho "As Novas Gerações de Jornalistas Portugueses", que decorreu entre 2010 e 2013, e que será publicado em livro a 6 de Janeiro do próximo ano. Os dados preocupam José Rebelo, que, em entrevista à Renascença, admite um cenário "negro" na profissão.

O tema da precariedade é um dos que está em mais evidência neste trabalho. Os investigadores concluíram que a "insegurança prevalece" nos jornalistas sub-40, o que fornece terreno fértil para pressões. Muitas redacções estão transformadas em "tecnoambientes" em que os jornalistas se "desmultiplicam em tarefas, muitas delas técnicas".

Entre os inquiridos, 42% admite a hipótese de ficar no desemprego e 20% pensa ser "muito provável" que isso aconteça. Ou seja, no total, são 62% que acreditam que que ficar sem trabalho é um cenário provável.

"Infelizmente, a primeira coisa que me vem à cabeça é que, se tiver a oportunidade, deixo a profissão", lê-se num dos testemunhos que faz parte do estudo. À data da investigação, a esmagadora maioria dos inquiridos tinha menos de dez anos de actividade.

Passividade
A amostra deste trabalho de investigação, que se desenrolou em duas vagas, é de 515 respostas validadas (26,2% do universo de 1965 de jornalistas profissionais nascida depois de 1975). Quase metade dos entrevistados acredita ainda que se ficar desempregado a probabilidade de encontrar nova colocação como "pouco provável" e mais de 18% como "nada provável".

Os investigadores interpretam estes dados como "passividade" face a um eventual despedimento" e concluem que esta atitude é "susceptível de favorecer aquele discurso patronal que, proclamando a "flexibilidade" e a "mobilidade" do mercado de trabalho como valores inerentes ao "empreendedorismo" a incrementar, visa outros intentos. "Provavelmente bem mais prosaicos".

Exemplificam: contratar um jovem jornalista "a prazo ou a recibo verde que, por se encontrar nessa situação, se sujeita mais facilmente a salários reduzidos e a horas extraordinárias", sublinham os investigadores José Luís Garcia, José Marmeleira e José Nuno Matos.

A investigação sugere que esta situação coloca em causa a capacidade reivindicativa nas redacções. "Não é fácil para um jornalista opor argumentos deontológicos perante um patrão ou os seus representantes na sala de redacção", precisam as investigadoras Liliana Pacheco e Helena de Freitas.

Pressões
Mais de um terço dos inquiridos admitem já ter sofrido pressões. Deste universo, 24% declaram não ter cedido.

Mas a investigação aborda "os restantes", os que cederam às pressões. Um quarto só o fez depois de terem argumentado com as chefias. "O que, ao fim e ao cabo, de nada lhes valeu", escrevem os investigadores.

E os jornalistas acabam por aceitar considerando que a decisão acaba por ser uma inevitabilidade: "Fiz o que me mandaram, estava em situação de precariedade", dizem uns; "Em causa estava o meu posto de trabalho… acatei as ordens", respondem outros; e "Quando as ordens são internas, as escolhas são apenas duas: ou acatar ou ir embora", escrevem ainda outros.

O estudo aponta para uma "desprofissionalização" dos jornalistas, na medida em que os "investimentos em novas tecnologias de informação e comunicação podem induzir responsáveis de empresas de comunicação social a converter os jornalistas em meros produtores de conteúdos e, a prazo, a substituí-los nessa função por não jornalistas".

"As próprias redacções não ficam incólumes às alterações impostas, tomando cada vez mais a forma de tecnoambientes, nos quais os jornalistas se desmultiplicam em tarefas, muitas delas técnicas, perdendo capacidade de decisão e de resistência face à impetuosidade das formas de gestão empresariais e à mudança tecnológica", explicam.

Retrato robô do jornalista sub-40
Em resultado das respostas obtidas, os investigadores ajudam a fazer um retrato dos jornalistas com menos de 40 anos.

Trata-se de uma mulher (63,5%), entre os 25 e os 34 anos (69,3%) e com formação superior (71,3%). Mais de metade é religiosa e, embora a maioria recuse qualquer filiação partidária, a nível ideológico definem-se ao "centro".

São polivalentes (80% trabalham para mais do que uma plataforma), mas são fracamente sindicalizados (17,5%). Avaliam positivamente os conselhos de redacção (89%) e defendem que a profissão tenha mecanismos de auto-regulação que complementem a acção da ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social.

Sobre os motivos que levaram a escolher o jornalismo como profissão, apenas 20 dos entrevistados responderam "mudar o mundo". Ilusão ou ingenuidade, a verdade é que mesmo os que tinham a ideia em mente, segundo os testemunhos agrupados por Diana Andringa, perderam-na.

Um exemplo das repostas obtidas: "Penso em democracia, em novas visões sobre o mundo. Mas também penso em horas intermináveis de trabalho, em condições de emprego cada vez mais precárias e um certo desvirtuamento da utopia jornalística."