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Opinião

Quem comanda esta dança?

24 nov, 2014 • Luís António Santos

O jornalismo que nos é oferecido por estes dias – pelo menos o mais visível, porque mais "barulhento" – faz-se da demonstração dos riscos que acarreta o desequilíbrio na relação entre fontes e jornalistas.

Quem comanda esta dança?
Parece uma dança a relação entre jornalistas e fontes. “It takes two to tango”, dizia o académico Herbert Gans no seu livro de 1980, “Deciding what’s news”, para nos explicar que fontes e jornalistas vivem desta relação de embalo mútuo – ora empurras tu, ora puxo eu. Dizia ainda que essa dança, quase um ritual, funciona muitas vezes no limite, a olhar o precipício que se antecipa quando um dos parceiros tem mais força do que o outro.

O jornalismo que nos é oferecido por estes dias – pelo menos o mais visível, porque mais “barulhento” – faz-se da demonstração dos riscos que acarreta o desequilíbrio nessa relação.

Vemos como, já sem qualquer pudor, um jornal televisivo de um canal generalista mistura informação sobre casos que abalam a credibilidade da política, do sector financeiro ou da administração pública, com um pratinho de bolachas cujo único propósito é promover um produto (um livro de uma apresentadora).

Vemos como, já sem qualquer pudor, uma publicação especializada em economia decide não cobrir os desenvolvimentos do caso BES porque quem a dirige não acredita que isso seja “positivo”.

Vemos (vimos todos) como, também sem qualquer pudor, algumas empresas jornalísticas escolheram ser espaço de ressonância de uma agenda nada transparente, na “cobertura” do caso José Sócrates.

Fontes no aparelho de Justiça ditaram o tempo, ditaram as condições, ditaram a medida exata das “revelações” a conta-gotas e um jornalismo muito pouco jornalístico aceitou dançar a dança assim, meio derrubado, meio de rastos, quase de gatas. Longe do que seria a sua obrigação, longe do vínculo social que insiste em dizer que tem connosco.

Este “jornalismo de frincha”, com alguém tão bem o designou, espreita à socapa mas só por onde o deixam espreitar. Deita olho gordo só ao que lhe dizem para “ver”. Diz-nos, por isso, coisas gravíssimas que estão ainda por provar e, muito certamente, estaria disposto a dizer-nos o seu contrário se assim viesse a convir a quem, de facto, guia todo o processo. E é um jornalismo que não percebe problema nenhum nisso; não vê problema nenhum em ser joguete, em ser peão, fazendo de todos nós peões em medida idêntica.

Este jornalismo – o mesmo, recorde-se, que em 2011 nos trouxe a famosa “descoberta” do estripador de Lisboa – sente-se confortável a prestar serviços a todos menos a quem devia. É coisa ignóbil. Inaceitável.

Texto originalmente publicado no Página1, do grupo r/com. Luís António Santos é professor do departamento de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho. Escreve segundo o novo acordo ortográfico