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O que pensa Francisco, o Papa do "outro lado do mundo", sobre a Europa?

24 nov, 2014 • Filipe d'Avillez

Ainda não se sabe o que Francisco vai dizer no Parlamento Europeu e no Conselho da Europa, mas uma coisa parece certa: o argentino dá menos importância à "Europa cansada" do que os seus antecessores.

O que pensa Francisco, o Papa do "outro lado do mundo", sobre a Europa?
A julgar pelos 20 meses de pontificado, a Europa não tem sido prioridade nas palavras de Francisco. São poucas as suas declarações públicas sobre o "velho continente". Falou de uma "Europa cansada", num encontro com pobres da Comunidade de Santo Egídio, este ano. Pediu aos europeus que abrissem o coração, numa visita a Lampedusa, primeira viagem apostólica. Faz agora, a Estrasburgo, a viagem mais curta de sempre de um Papa ao estrangeiro, onde visita o Parlamento Euorpeu e o Conselho da Europa.
Quando Francisco foi eleito, em Março de 2013, muito se comentou o facto de ser o primeiro Papa há muitos séculos a vir de fora da Europa e o primeiro da América do Sul. “Foram-me buscar ao outro lado do mundo”, afirmou então.

Francisco sucedeu a dois papas para quem a Europa, e sobretudo a sua reevangelização, eram assuntos muito próximos do coração. João Paulo II veio do lado de lá da cortina de ferro para assumir as rédeas da Igreja numa altura em que o “Velho Continente” estava dividido e teve grande influência no fim dessa mesma divisão.

Já Bento XVI foi buscar o seu nome a um dos co-padroeiros da Europa e falou várias vezes da importância de reavivar a fé e manter os valores cristãos na praça pública de um continente cada vez mais desconfiado da religião em geral.

Mas Francisco, a julgar pelos seus 20 meses de pontificado até ao momento, parece ter outras prioridades. São poucas as declarações públicas sobre a Europa e as que fez não são propriamente muito positivas.

A 15 de Junho de 2014, em visita à comunidade de Santo Egídio, o Papa pediu orações por um continente envelhecido. “A Europa está cansada. Temos de a ajudar a rejuvenescer, a encontrar as suas raízes. Renegou as suas raízes; temos de a ajudar a reencontrá-las. O mundo sufoca sem diálogo. Mas o diálogo só é possível a partir da própria identidade. Não posso fazer de conta que tenho outra identidade para dialogar, é preciso dialogar sem negociar a própria identidade.”

Um outro exemplo de apelo directo à Europa surgiu em Outubro, quando Francisco recebeu familiares das vítimas do naufrágio de Lampedusa: “Peço a todos os homens e mulheres da Europa que abram as portas do seu coração! Quero dizer-vos que estamos convosco [familiares das vítimas], rezo por vocês, rezo para que as portas fechadas se possam abrir”, disse, numa alusão que pode ser lida também como uma crítica ao facto de as portas da Europa estarem demasiadas vezes fechadas à imigração e a quem procura uma vida melhor.

Novas prioridades, outros destinos
Com Francisco, a Europa parece ter passado para segundo plano. Muito se comentou, em Fevereiro, o facto de ter incluído muitos não-europeus na lista dos primeiros 19 cardeais criados no seu pontificado. Oito eram europeus, mas destes quatro eram membros da cúria romana recentemente nomeados para cargos que implicam uma nomeação cardinalícia e dois tinham já mais de 80 anos, pelo que já não seriam eleitores.

A importância do “Velho Continente” nas palavras de João Paulo II ou “Continente envelhecido”, nas de Francisco, pode ser averiguada também pelas visitas que o Papa já fez desde que foi eleito.

Francisco foi ao Brasil, à Terra Santa e à Coreia do Sul, mas foi preciso esperar mais de um ano e meio desde a sua eleição para a primeira visita europeia, fora de Itália. Aí, o destino escolhido foi a Albânia, curiosamente um dos únicos países europeus de maioria islâmica e a viagem teve, por isso, sobretudo uma carga inter-religiosa bem como a intenção de mostrar que a Europa é mais do que a União Europeia e que neste continente também há periferias. Por esta mesma razão Francisco faz questão de falar não só ao Parlamento Europeu, mas também ao Conselho da Europa, que inclui representantes de todo o continente

A próxima visita do Papa, a seguir a esta que faz a Estrasburgo, será à Turquia. Mesmo que se considere a Turquia como parte da Europa, é mais uma visita a um país islâmico.

Estrasburgo, em França, é território predominantemente católico. Mas curiosamente o Vaticano anunciou que o Papa não vai visitar a catedral da cidade, que celebra agora o seu milésimo aniversário, apesar de esta ficar apenas a dez minutos de distância, de carro, do Parlamento. Esse facto significa que esta será a primeira viagem oficial de qualquer Papa a não incluir qualquer dimensão litúrgica. Uma vez que Francisco vai permanecer em território francês menos de quatro horas, nem uma missa privada celebra.

Quanto à visita em si, todos esperam aquilo que o Papa dirá nos seus dois discursos. Com base no seu pontificado até agora, é natural que aborde temas como a crise económica e o desemprego, sobretudo o desemprego jovem, que outrora descreveu como um dos piores flagelos da actualidade. Mas estes temas não são novos, tendo sido referidos já por João Paulo II em 1988.

Francisco pode também falar da postura da Europa diante da imigração, um assunto que lhe é muito próximo e ao qual tem dedicado muito do seu pontificado.

Será ainda interessante ver se o Papa fala de questões mais polémicas como o valor da vida da concepção à morte natural. Para muitos católicos, a Europa tem feito pressão sobre vários países para permitir a interrupção voluntária da gravidez, por exemplo.

No discurso no Conselho Europeu Francisco pode muito bem referir a violência na Ucrânia, uma vez que tanto esta como a Rússia, que não fazem parte da União Europeia, estão representados no Conselho.

Estas e outras dúvidas serão dissipadas certamente na terça-feira numa das mais curtas mas mais significativas viagens do Papa desde que foi eleito, em Março de 2013.

A Renascença V+ transmite em directo a visita do Papa a Estrasburgo. Um simultâneo rádio e vídeo, a partir das 9h30, esta terça-feira. Ouça na rádio ou veja o directo vídeo na Renascença V+.