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A Europa revolta-se com a morte de um cão e cala-se perante um genocídio

21 nov, 2014 • Filipe d'Avillez

Hanan Youssef trabalha com refugiados em Beirute. À Renascença, diz que está a ocorrer um genocídio contra os cristãos no mundo árabe e mostra-se chocada com o silêncio da Europa. "Se o Líbano cair, acaba-se o cristianismo no Médio Oriente", avisa.

A Europa revolta-se com a morte de um cão e cala-se perante um genocídio
Com a guerra mesmo ao lado e um equilíbrio social, étnico e religioso muito difícil de manter, o Líbano está em constante perigo de ser arrastado para a violência que tem devastado a região.

Mas, por enquanto, este país, que tem a maior proporção de cristãos do Médio Oriente, é considerado um porto seguro para os muitos que têm tido de fugir da Síria e do Iraque, especialmente desde o avanço dos islamitas do Estado Islâmico, que se intensificou desde Junho.

A irmã Hanan Youssef, da congregação do Bom Pastor, em Portugal a convite da fundação Ajuda à Igreja que Sofre, trabalha com milhares de refugiados que se encontram no Líbano, à espera de melhores dias.

O que se está a passar no Médio Oriente não é menos que um "genocídio", alerta. 

Trabalha principalmente com refugiados. A maioria é do Iraque?
Sim. Em 2005 abrimos um centro para meninos da rua e em 2006, com a guerra contra Israel, tomámos conta de uma dispensa social e da clínica de St. António, onde acolhemos cinco mil refugiados xiitas, de uma zona bombardeada por Israel. Quando eles voltaram para as suas casas passámos a acolher refugiados do Iraque. Todos os cristãos caldeus do Iraque passaram pelo nosso centro.

No início acolhemos muitos jovens com os seus filhos, eles estavam a abandonar o Iraque para sempre. Mas actualmente estamos a receber idosos também. Antes de vir para Portugal recebi uma senhora cega em cadeira de rodas, com 85 anos, que foi forçada a abandonar a sua casa. Estava desorientada, muito triste, muito deprimida. Fiquei sem palavras. É uma situação desumana. Estas pessoas são obrigadas a fugir sem nada.

Mas a maioria dos cristãos do Iraque, da zona de Mossul e de Nínive, não estão a fugir para Erbil, no Curdistão iraquiano?
Verdade. Mas quando chegam a Erbil, se têm dinheiro, compram um bilhete de avião e vêm para o Líbano, onde pedem um visto para poder ir para o ocidente. Antes de vir [para Portugal] acolhi dois jovens que vieram à dispensa. Estavam a chorar. “Irmã, não precisamos de ajuda, precisamos de trabalho. Os nossos pais venderam tudo, joalharia, carros, tudo para comprar bilhetes para nós. Agora estamos aqui, mas temos de trazer a nossa família. Ajude-nos a encontrar trabalho”. Estavam a chorar, e é muito raro ver um homem oriental a chorar. Fiquei sem palavras. Têm havido muitos casos assim.

O que se está a passar no Iraque é um genocídio. Disse-o há dez anos. Estamos perante um grande genocídio no Iraque. Está vazio… todos os cristãos estão fora do Iraque agora. Em 1996 havia um milhão de cristãos no Iraque, agora pensamos que há 150 mil. É verdadeiramente um grande genocídio.

Também têm refugiados da Síria?
Sim, claro. Na nossa clínica oferecemos cuidados de saúde primários, apoio social e apoio psicológico. Temos médicos de todas as especialidades, porque no Líbano a saúde é privada e muito cara. O Estado não pode ajudar, porque há quatro milhões de libaneses e já acolhemos 2.5 milhões de refugiados. É mais de metade da nossa população.

O Líbano está em guerra há 30 anos. Toda a infra-estrutura foi destruída. Não temos escolas para todas as crianças, faltam camas nos hospitais, água potável. É um grande desafio. Por isso esta entrada de refugiados é uma grande crise. Não têm empregos, tornam-se cada dia mais pobres e estão a fragilizar a sociedade. Precisamos muito de ajuda e agradecemos tudo o que a Ajuda à Igreja que Sofre tem feito por nós.

As fronteiras com a Síria não são controladas e por isso muitos jihadistas entraram no Líbano. Estão a causar problemas, lutando com o exército para controlar uma área de maioria sunita.

O Existe a possibilidade de a crise na Síria chegar ao Líbano também. Se isso acontecer, com a Síria de um lado, uma fronteira fechada com Israel do outro e o mar, para onde irão? Há mais algum local para onde ir?
Não há. Se isso acontecer haverá uma grande guerra no Médio Oriente. Até agora o Líbano tem-se mantido estável, porque o exército tomou conta da situação. Mas não sei se aguentam muito mais tempo, porque o exército está fraco depois de 30 anos de guerra. Se a guerra da Síria chegar ao Líbano será o fim do Médio Oriente e o fim da presença dos cristãos no Médio Oriente. Esperamos que não aconteça. Se acontecer será muito difícil.

Qual tem sido a reacção dos cristãos libaneses à chegada dos cristãos sírios e iraquianos?
São nossos irmãos e irmãs. Quando o Estado Islâmico ocupou a cidade cristã de Qaraqosh, no Iraque, todos fugiram e muitos vieram para o Líbano. A solidariedade foi exemplar. Todas as igrejas do Líbano ofereceram ajuda e os cristãos juntaram muita comida, roupa e dinheiro para ajudar. Somos pobres, mas até a família mais pobre deu alguma coisa. Foi um grande exemplo de solidariedade cristã.

A resposta da Europa tem sido o que esperavam?
Estou chocada com o silêncio. Há um grande silêncio sobre este genocídio contra as minorias, não são só os cristãos. Vemos manifestações na rua para salvar um cão, mas todos os dias há vidas destruídas no Médio Oriente e ninguém diz nada. Porquê o silêncio? A vida humana não tem valor? Precisamos do apoio da Europa. Precisamos que estejam despertos. Porquê o silêncio? Não compreendo.

Por que é que continuam a enviar armas para o Médio Oriente? Para os jihadistas ou para os outros? Precisamos que parem de enviar armas, que parem com o comércio das armas, aí muita coisa mudaria.

O Papa Francisco vai falar ao Parlamento Europeu na próxima terça-feira. O que gostaria que ele dissesse sobre o Médio Oriente?
Ele tem dito coisas muito bonitas. É a única voz que fala de paz e que pede o fim do tráfego de armas para o Médio Oriente. Gostaria de o ouvir pedir a paz para o Médio Oriente. Chega de guerras, chega de vidas destruídas, chega de crianças nas ruas, crianças forçadas a combater, chega de vender mulheres no mercado. Chega! É desumano e precisamos de mais humanidade. Espero que ele acorde a consciência da União Europeia.

O que aconteceu no Médio Oriente é verdadeiramente inacreditável. Vendemos mulheres no mercado como objectos. É desumano! Parem, por favor parem.
 
As pessoas que querem ajudar sabem que o podem fazer através da Ajuda à Igreja que Sofre. Mas que mais podem fazer?
A nossa padroeira é a Nossa Senhora do Líbano. Precisamos muito de oração. Antes de dinheiro, antes de mais nada, precisamos que os nossos irmãos e irmãs do ocidente pensem em nós e se lembrem de nós no seu coração e nas suas orações. Se sentirmos o apoio dos nossos irmãos no ocidente seremos mais fortes. Temos fé, claro. Precisamos de oração e precisamos que as pessoas tenham conhecimento da perseguição a que somos sujeitos.