Tempo
|

António Vitorino recomenda que se evite uma escalada de tensão com a Rússia

31 out, 2014 • José Pedro Frazão

Os voos de caças russos no espaço aéreo europeu trazem uma mensagem de Vladimir Putin, argumentam os comentadores do "Fora da Caixa". António Vitorino e Pedro Santana Lopes ensaiam uma análise à estratégia russa e à resposta ocidental.

António Vitorino recomenda que se evite uma escalada de tensão com a Rússia
Alimentar uma nova "guerra fria" não é bom para ninguém. O aviso é de António Vitorino, que desaconselha uma escalada de tensão com uma Rússia que quer voltar a ser importante no mundo. O incremento da actividade aérea russa na Europa surge numa altura em que acaba de ser assinado um acordo entre Rússia e Ucrânia sobre fornecimento de gás, sob mediação da União Europeia, que prevê o pagamento da divida de Kiev à companhia russa GazProm.
Alimentar uma nova "guerra fria" não é bom para ninguém. O aviso é de António Vitorino que desaconselha uma escalada de tensão com uma Rússia que quer voltar a ser importante no mundo. " A estratégia de Putin é voltar a afirmar a Rússia como uma potência com ambições globais. Estes voos de patrulhamento do Atlântico tinham sido interrompidos e foram retomados em 2007. Registamos agora uma intensificação no número de voos nas últimas semanas. O que pode não ter outro significado senão a demonstração de que têm que contar com a Rússia. Qualquer que seja a forma de concertação de interesses, a Rússia afirma-se como uma potência global", afirma o antigo comissário europeu.

O incremento da actividade aérea russa na Europa surge numa altura em que acaba de ser assinado um acordo entre Rússia e Ucrânia sobre fornecimento de gás, sob mediação da União Europeia, que prevê o pagamento da divida de Kiev à companhia russa GazProm. Na Ucrânia, o fim-de-semana será de eleições locais nas regiões de Donetsk e Luhansk, depois da vitória de forças pró-europeias nas recentes eleições parlamentares ucranianas.

Tudo pela Ucrânia
Pedro Santana Lopes diz que a questão da Ucrânia continua a ser central. " Mas estes voos são contraditórios com o acordo do gás. Será que Putin quis mostrar que não é por assegurar o gás à Ucrânia no próximo Inverno que deixa de estar aborrecido com o que tem acontecido , como as eleições com resultados pró-Europa e o novo Governo em Kiev ? Costuma falar-se em mixed feelings (sentimentos mistos) aqui são mixed signals (sinais mistos). Celebram o acordo e ao mesmo tempo vão passear de avião", atira Santana que estranha algumas oscilações na política externa de Putin. " Não se descortina um fio condutor. Este acordo deve causar perplexidade, mesmo em relação a estes nacionalistas que andam a ser apoiados pelas autoridades russas", defende o antigo primeiro-ministro.

Também por isso, diz António Vitorino, a intensificação de movimentos aéreos russos na Europa deve ser lida como uma demonstração de força para efeitos de consumo interno. " Para criar espaço para fazer aceitar pela opinião publica interna russa um acordo que aparentemente vai contra a tensão nacionalista anti-ucraniana que Putin alimentou, esta bela demonstração de força e esta reacção ocidental tão assustada, alarmada, tão visível e vocal até serve os intuitos da propaganda interna do próprio Putin", sustenta o antigo Ministro da Defesa.

A necessidade aguça o negócio
Vitorino diz que o acordo sobre fornecimento do gás é um "filho da necessidade. A Russia precisa de vender gás. O gás que vende à China tem 30% de desconto. Este gás não tem desconto e tem a garantia de pagamento, porque a União Europeia se 'atravessou'. Do ponto de vista financeiro há aqui um ganho que não é negligenciável para a própria Rússia".

No meio de toda esta tensão, um outro negócio está a causar algum incómodo nos países europeus que mais se opõem a Moscovo. França assinou um contrato de fornecimento de dois porta-helicópteros Mistral às forças armadas russas, num valor total de 1,2 mil milhões de euros. Moscovo espera a entrega do primeiro navio em Novembro. O governo francês está sob intensa pressão para adiar essa entrega.

O antigo comissário europeu defende um debate em torno das medidas que possam restaurar a confiança para impedir uma subida da tensão na relação com a Rússia. Vitorino não considera que a venda de material militar aos russos possa ser enquadrada como falta de coesão ocidental. "Depende das contrapartidas, depende de uma posição unida no sentido de não os isolar, não criando um 'apartheid russo' à escala global. Mas para restaurar a confiança, se estão à espera desse material, [os russos] têm que nos dar contrapartidas. Elas só podem ser a estabilização da Ucrânia", afirma. Já Santana Lopes admite que " à partida, a nossa reacção tende a dizer que não faz sentido". O antigo primeiro-ministro admite contudo que "num quadro de estabilização real e verdadeira, é uma variável a considerar como componente de um acordo. Estou de acordo [há que fazer] tudo menos dar à Russia a sensação de isolamento da parte desses parceiros ocidentais. Isso é perigoso, não deve ser feito. O navio Mistral é uma contrapartida nossa muito poderosa".

Por falar em contratos, Vitorino volta a lembrar que, como Ministro da Defesa, aprovou a compra de um sistema anti-gelo para os F16 portugueses, de forma a poderem actuar ao serviço da Nato em climas como os do Báltico.

O grande final de Barroso
Santana Lopes elogia ainda a energia de Durão Barroso na ultima semana como presidente da Comissão Europeia e " o protagonismo que quis assumir neste acordo com a Ucrânia, que se vem juntar à questão do ambiente no Conselho Europeu. Fez uma manifesta 'aceleração' na ultima semana" . Entre sorrisos, ironiza : "não vou dizer que era bom que tivesse sido sempre assim". Vitorino não perdoa e usa o humor para rematar que Durão Barroso "guardou a energia para o fim".

O “Fora da Caixa”, que pode ouvir à sexta-feira a partir das 23h00, na “Edição da Noite”, é uma colaboração da Renascença com a EURANET PLUS, rede europeia de rádios.