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“Cristãos serão o sal e a luz do mundo árabe”

31 out, 2014 • Filipe d’Avillez

Patriarca Gregório III acredita que a solução para a violência no Médio Oriente está em Jerusalém, mas passa também por Moscovo, Washington e Bruxelas.  

“Cristãos serão o sal e a luz do mundo árabe”
O Patriarca Gregório III, da Igreja Greco-católica Melquita, com sede em Damasco, acredita que a solução para a violência no Médio Oriente está em Jerusalém, mas passa também por Moscovo, Washington e Bruxelas. Sobre a situação dos cristãos no Médio Oriente e a hipótese de criação de um território autónomo e protegido, Gregório III rejeita a ideia. "Não teremos um Estado próprio, viveremos em todos os Estados, sendo luz e sal nestes Estados. Este é o futuro", garante.
Quando em Junho de 2014 os militantes do Estado Islâmico conquistaram a cidade iraquiana de Mossul, levando à fuga em massa de mais de 100 mil cristãos e ainda milhares de pessoas de outras minorias religiosas, o futuro do Cristianismo na região voltou a ser encarado com pessimismo.

“Foi um choque para todo o Médio Oriente. Teve um grande impacto na Síria, porque as pessoas estavam a ficar mais optimistas, a situação estava a ficar melhor, o Governo estava bem, o exército estava a ter mais sucessos, mas com este choque no Iraque as pessoas ficaram desiludidas, cépticas, pessimistas e mais e mais estão a abandonar o país agora, porque têm medo que aconteça algo de semelhante com elas”, explica à Renascença o Patriarca Gregório III, da Igreja Greco-católica Melquita, com sede em Damasco.

Abandonados pelo exército iraquiano, sem milícias próprias e à mercê dos terroristas do Estado Islâmico, que lhes confiscaram todos os bens e deram a escolher entre pagar um imposto elevado, converterem-se ou abandonarem as suas aldeias e cidades, os cristãos refugiaram-se no território dos curdos, dos únicos que resistem aos islamitas no terreno. A situação levou a muitos cristãos, incluindo das comunidades na diáspora, a pedir a criação de um território autónomo e protegido, onde possam viver.

Mas esta é uma solução rejeitada veementemente pela maioria dos líderes religiosos, incluindo Gregório III. “Nunca! Não podemos viver separados! Temos uma história de convivência.”

“Disse aos meus fiéis, não teremos um Estado próprio, viveremos em todos os Estados, sendo luz e sal nestes Estados. Este é o futuro. Não temos um espírito de gueto, temos de evitar sermos colocados num canto, ou numa reserva, como se fosse para salvar animais ou plantas. Somos o berço do Cristianismo, o Cristianismo nasceu aqui. Não precisamos de um Estado”, insiste.

Gregório III, que se encontra em Portugal a convite da fundação Ajuda à Igreja que Sofre para falar sobre a situação dos cristãos no Iraque e na Síria, diz mesmo que sem os cristãos o mundo árabe deixaria de o ser: “O ‘arabismo’ é um traço cristão. Nós é que introduzimos isso. Agora com a crise as pessoas dizem para preservar as populações cristãs se quisermos preservar o nosso ‘arabismo’. Porque se não houver mais cristãos no Médio Oriente, só muçulmanos, já não lhes chamarão árabes, mas muçulmanos. Apesar de o Alcorão estar escrito em árabe, eles dirão que são muçulmanos. Árabe é a língua, mas a nação é o Islão. Por isso, para manter um verdadeiro mundo árabe, uma verdadeira Primavera Árabe, temos de manter os cristãos lá.”

Sem paz em Jerusalém não haverá paz em Damasco
Para haver qualquer futuro civilizado no mundo árabe é necessário que haja paz. Mas isso, explica o Patriarca, não está nas mãos nem de sírios nem de iraquianos, mas de americanos e russos. “É verdadeiramente uma guerra terrível, e a Europa é responsável. A Europa, os Estados Unidos e também a Rússia. Todos em conjunto. Tenho a certeza que se um dia os interesses da Rússia e da América coincidirem teremos paz. Enquanto não encontrarem maneira de satisfazer os seus interesses, teremos guerra. Não tem a ver com o Estado Islâmico. Claro, eles têm influência, mas o verdadeiro problema está noutro lado.”

Segundo o Patriarca, que tem 80 anos, outra chave para a paz no Médio Oriente está em Jerusalém, onde serviu como bispo durante 26 anos até ser eleito Patriarca, no ano 2000: “Posso dizer que todos os problemas nestes países estão relacionados com o conflito entre Israel e a Palestina. Enquanto não houver uma solução, este problema continuará a servir de desculpa para muitos países, incluindo os países árabes, dominarem os seus povos, não fazerem o que devem, não os libertar nem dar liberdades e desenvolvimento.”

“Segurança para Israel? Eu também sou a favor da segurança de Israel. Mas também dos palestinianos. A segurança de Israel está mais nas mãos dos palestinianos do que nas mãos da Europa e da América, porque como dizemos em árabe: o nosso vizinho é mais importante do que a nossa própria casa.”

A Igreja Melquita é uma igreja católica de rito oriental que tem cerca de 1,6 milhões de membros, sobretudo no mundo árabe e nas comunidades de diáspora. Com sede em Damasco, o Patriarcado tem sido muito afectado pela guerra que dura há cerca de quatro anos e neste momento ajuda directamente mais de oito mil famílias, para quem é necessário encontrar mantimentos e dinheiro com regularidade.

A fundação Ajuda à Igreja que Sofre é um órgão oficial da Igreja Católica que tem trabalhado de perto com as comunidades cristãs no Médio Oriente, prestando apoio material e financeiro aos desalojados e às igrejas locais.