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Sobrinho Simões

"Há demasiados casos de cancro a serem diagnosticados tarde demais"

31 out, 2014 • Hugo Monteiro

Portugueses continuam atrasados na prevenção dos tumores, diz o director do IPATIMUP. Esta sexta-feira, começa o peditório anual da Liga Portuguesa contra o Cancro.

"Há demasiados casos de cancro a serem diagnosticados tarde demais"
São diagnosticados, por ano, 55 mil novos casos de cancro em Portugal. "O número de casos de cancro tem aumentado bastante", mas o tratamento tem melhorado continuamente, diz, em entrevista à Renascença, o director do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto ( IPATIMUP), Manuel Sobrinho Simões. "O nosso atraso em relação aos países mais desenvolvidos da Europa é mais na prevenção", diz o especialista, nesta sexta-feira em que começa o peditório anual da Liga Portuguesa contra o Cancro. Decorre até segunda-feira.

A maioria dos casos de cancro é diagnosticada já numa fase adiantada da doença?
Diria que há demasiados casos que são diagnosticados numa fase adiantada. Não serão a grande maioria, mas é verdade que há muitos cancros - nós não sabemos se são a maioria ou não - que são diagnosticados, em toda a Europa, em fases demasiado avançadas. O problema é que há casos em que é muito difícil impedir que tal aconteça. Por exemplo, o cancro do pâncreas: não temos forma de o diagnosticar precocemente. Ou o cancro do pulmão, que também não é fácil de diagnosticar precocemente. Mas os cancros da mama, próstata e cólon podem ser diagnosticados muito mais precocemente do que ainda são diagnosticados.

Quais são os tipos de cancro que são diagnosticados mais tardiamente?
Temos boas taxas de diagnóstico precoce de cancro do cólon, mas podiam ser melhores, se fizéssemos colonoscopias a todas as pessoas a partir de uma certa idade. Temos boas taxas no cancro da mama e no do colo do útero. Temos boas taxas no cancro da tiróide. Estamos muito mal nos cancros do fígado, do pâncreas, do cérebro, do estômago e no cancro do pulmão.

Esses são também os cancros mais mortais?
São. As taxas de mortalidade são muito elevadas no cancro do cérebro, no do pâncreas, no do fígado, no do estômago e no do pulmão.

Com tantos apelos à prevenção, tem diminuído o número de cancros que são diagnosticados tardiamente?
Não sabemos. O que se sabe é que, em Portugal, o número de casos de cancro tem aumentado bastante. Isto acontece porque o cancro é uma doença de pessoas de idade e nós estamos a ficar cada vez mais idosos. É também verdade que este aumento no número de novos casos por ano de cancro não tem sido acompanhado por um aumento muito grande da mortalidade. Isto significa que, apesar do aumento do número de casos, nós já tratamos muito melhor os cancros que existem.

Há algum número que dê a dimensão desse fenómeno?
Em Portugal, nós temos dez milhões de habitantes. Actualmente, diagnosticamos, por ano, 55 mil novos casos de cancro. E este número tem vindo a aumentar cerca de 500 por ano, ou seja, cada ano há cerca de mais 500 casos que nós diagnosticamos. Já a mortalidade tem-se mantido próxima dos 23 mil-24 mil. Não se afastando muito desse número.

A taxa de sobrevida tem aumentado?
Nos últimos dez ano,s aumentou devagarinho, tal como se passa nos outros países da Europa ocidental. Hoje em dia, é na ordem dos 55% aos dez anos. Ou seja, dez anos depois do diagnóstico, 55% dos nossos doentes com cancro estão vivos. Não quer dizer que estejam curados da doença, mas muitos têm a doença controlada. Este tem sido um aumento progressivo.

O que significa esta taxa relativamente aos outros países ocidentais?
É muito semelhante. O que se passa nos países nórdicos é que a mortalidade geral por cancro já está a diminuir, enquanto em Portugal ainda continua a aumentar um bocadinho. Mas este aumento da mortalidade é muito menor do que o aumento de novos casos. Portanto, nós temos vindo a melhorar, devagarinho, a sobrevida. Esta é das áreas em que Portugal tem feito francas melhorias. No domínio da saúde, apesar de tudo, nós mantemo-nos como um país francamente acima da média.

No caso do combate ao cancro também?
Sim. Mas no caso do combate ao cancro, o nosso maior problema, por estranho que pareça, não são tanto os hospitais centrais. Os institutos de oncologia, os hospitais universitários e outros hospitais centrais são francamente bons, em termos de capacidade técnica. O nosso atraso em relação aos países mais desenvolvidos da Europa é mais na prevenção. Continuamos a ter uma taxa de fumadores que continua aumentar na mulher. Portanto, continuamos a ter um aumento de cancro do pulmão e da bexiga e de outros órgãos devido ao tabaco. O nosso estilo de vida sedentarizou-se. Fazemos muito pouco exercício físico e estamos a engordar. Nós temos um sol muito forte, as pessoas gostam muito da praia e não nos protegemos como devíamos. Nós somos um país vinícola, gostamos de beber e, por vezes, bebemos demais. Portanto, se juntar o tabaco, o excesso de peso, o sedentarismo, a exposição ao sol e o aumento, razoável, de consumo de álcool... Se nós conseguíssemos diminuir estes factores... Diz-se que, se por exemplo, toda a gente deixasse de fumar, se toda a gente fizesse exercício, se toda a gente não fizesse um consumo excessivo de calorias, nós podíamos ter uma diminuição de 80% na incidência do cancro. Portanto, nós conseguíamos prevenir 70% a 80% dos cancros.