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Entrevista

"Combater as alterações climáticas faz sentido em termos económicos"

24 out, 2014 • José Pedro Frazão

Pedro Martins Barata, um dos mais experientes negociadores climáticos portugueses, acredita que o mundo está mais próximo de um acordo climático global no próximo ano. Com expectativas mais moderadas, Paris 2015 pode vingar o falhanço de Copenhaga 2009.

Os dados já tinham sido lançados, mas agora estão ratificados. A União Europeia assume o compromisso de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em 40% até 2030 face aos níveis de 1990 e de um mínimo de 27% de energias renováveis. É para já a cartada europeia no grande xadrez negocial que durará cerca de um ano até à Conferência de Paris, onde, seis anos após Copenhaga, o mundo tentará novamente chegar a um acordo climático global para o período pós-2020.

Pedro Martins Barata, economista de formação, consultor da Comissão Europeia, é também um dos mais experientes negociadores climáticos portugueses. Em entrevista à Renascença, garante que mudou demasiado no mundo da energia e do clima para que tudo fique igual a Copenhaga. E assegura que o mundo aprendeu com o falhanço de 2009.

A Europa promete uma redução de 40% até 2030 de gases com efeito de estufa. Comparando com outros blocos regionais, é uma meta ambiciosa?
As opiniões dividem-se. Para os europeus ela é considerada ambiciosa. No entanto, a União Europeia já conseguiu reduzir as suas emissões em 20% face a 1990. Mais de metade do caminho está feito, pelo que há quem diga que a União Europeia poderia e deveria ir mais longe.

O que se passa é que a União Europeia é o único bloco dos “grandes" que já apresentou publicamente a sua contribuição. Falta saber o que se pode esperar dos Estados Unidos e sobretudo da China, que já é o maior emissor mundial. É normal que haja uma certa relutância da União Europeia em ir mais longe numa altura em que ainda não sabemos o que podemos esperar dos outros parceiros mundiais.

A Cimeira de Alto Nível sobre Clima , em Washington, em Setembro passado, parece ter criado algumas expectativas para Paris semelhantes às que se formaram para a Cimeira de Copenhaga em 2009, que acabou por falhar.
O mundo aprendeu com Copenhaga. Há algumas alterações nas expectativas. Em Copenhaga o objectivo era levar os países o mais longe possível no compromisso de metas vinculativas de redução a nível internacional. Hoje, muito do pomo de discórdia em Copenhaga já é aceite. Por exemplo, as principais economias emergentes (China, Brasil, India) aceitam que têm responsabilidade na futura limitação de emissões.

Um dos acontecimentos da Cimeira dos Estados Unidos, organizada pela ONU, foi o reconhecimento pela China de que tem a responsabilidade de antecipar tanto quanto possível o seu "pico de emissões" – o ano a partir da qual as suas emissões totais devem começar a diminuir. As ambições e expectativas são mais moderadas face a Copenhaga. O próprio papel da comunidade internacional e de um acordo climático já não é pensado como o grande catalisador. A acção na política de clima vem muito mais de preocupações de segurança energética e novas tecnologias do que dos compromissos de reduções de emissões. Apesar de tudo, há perspectivas mais positivas de chegar a um acordo. Um acordo que seja até mais eficaz do que tem sido a história das negociações internacionais de clima.

Um relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas estima que as acções para combater as alterações climáticas vão travar o crescimento global em 0,06%. Este argumento económico tem perdido força?
Pelo contrário. Esse número é o custo sobre o PIB. Os 0,06% representam um menor aumento do PIB face ao esperado. Não se trata de perder PIB ou entrar em recessão. É um pequeno preço a pagar, crescer um pouco menos depressa do que está programado para a economia mundial. O PIB não contabiliza todos os custos sociais e ambientais das alterações climáticas e dos cenários de ultrapassagem da meta de aumento de 2 graus centígrados na temperatura média global. Diria que o argumento económico é tanto mais válido à medida que vamos estudando a questão.

O que temos visto nos Estados Unidos e na União Europeia, até em Portugal, é que os custos da massificação das energias renováveis com tecnologias cada vez mais eficientes têm sido sistematicamente sobrestimados. O que vemos é uma energia solar com uma capacidade de crescimento nos Estados Unidos impensável há cinco anos.

Em termos económicos, podemos dizer hoje que a transição para uma economia de baixo carbono e um sistema energético de baixas emissões é mais barato do que antecipamos. E sabemos que os custos de adaptação às alterações climáticas são cada vez mais caros e imediatos. O argumento económico é então cada vez mais premente. Óbvio que esta transição tem custos. Há países e indústrias que vão ter mais custos que outros. É o caso da produção de energia tradicional que vai ter que se modernizar. Ou desaparecer, como a produção de carvão. Combater as alterações climáticas faz sentido em termos económicos.

Os Estados Unidos são novamente um parceiro credível da Europa para um acordo climático global? E os países emergentes, agora em arrefecimento no crescimento económico?
Até Copenhaga, a União Europeia podia ousar afirmar-se como a líder do combate às alterações climáticas. Era quase imprescindível um acordo europeu sobre a solução global. Hoje essa solução para as alterações climáticas é praticamente sino-americana, dependendo de um acordo entre China e Estados Unidos. A União Europeia pode integrar esse acordo promovendo o multilateralismo, promovendo estas negociações internacionais. E sendo criativa, mostrando como é tecnologicamente possível conciliar desenvolvimento económico com a questão ambiental.

A política dos Estados Unidos teve um volte-face muito abrupto devido ao gás de xisto. Os Estados Unidos são hoje um exportador líquido de petróleo. É uma situação radicalmente diferente, as emissões têm vindo a cair à medida que a exploração de gás de xisto continua. Por outro lado houve um grande programa de produção de renováveis, que levou a um incremento assinalável da energia solar.

Na China, o crescimento das energias renováveis é inegável. A energia embarateceu por causa da abertura do mercado internacional e da produção própria de renováveis. A capacidade instalada chinesa é positivamente assustadora nos últimos anos. O arrefecimento das economias emergentes vai causar aqui alguns problemas. Por um lado, pode ser positivo na procura de energia eléctrica, com menor crescimento das emissões. Por outro lado, se esses países não conseguirem financiar os investimentos em energias renováveis, nesta transição para uma economia de baixo carbono, vamos ter quase de certeza um lock-in de um aumento de temperatura.

Neste momento, aparte os tratados, a principal variável para evitar danos maiores de alterações climáticas prende-se com a capacidade desses países em menor crescimento económico (a China, por exemplo, deve crescer a 6% quando o fazia a 11%) para canalizar financiamento para a tal transição tecnológica. E é aí que se vai jogar muito do sucesso ou insucesso de todas estas negociações.