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Bustos "fascistas" desassossegam deputados mais à esquerda

02 out, 2014 • Ricardo Vieira

Não é todos os dias que bustos causam polémica. Estes, dos presidentes da ditadura, irritaram os deputados mais à esquerda. Fernando Rosas vê branqueamento, Jaime Nogueira Pinto discorda.

Bustos "fascistas" desassossegam deputados mais à esquerda

Uma exposição de bustos presidenciais, que é inaugurada esta quinta-feira, está a desassossegar o Parlamento.

Equiparar presidentes da República da ditadura e da democracia é branquear o Estado Novo, defende o historiador Fernando Rosas. À direita, Jaime Nogueira Pinto vê a questão de forma diferente: diz que há pessoas que “convivem mal” com o passado e contesta a aplicação de “critérios ideológicos à história”.

“Colocar em pé de igualdade os presidentes de um regime ditatorial e repressivo com os presidentes que são eleitos livremente em democracia, é claro que se está a branquear o regime anterior. Isso parece-me evidente”, argumenta Rosas, que foi deputado pelo Bloco de Esquerda, em declarações à Renascença.

“Está a manipular-se a informação, a dar uma informação errada, manipulada e susceptível de enganar as pessoas acerca do que a realidade histórica do passado”, diz Fernando Rosas, que, como historiador, tem-se debruçado sobre o Estado Novo.

PSD, CDS e PS rejeitaram, na quarta-feira, na comissão de Educação, um requerimento do PCP para a suspensão da inauguração de uma exposição de bustos dos presidentes da República “do fascismo”.

Também o Bloco de Esquerda e “Os Verdes” exigem que a exposição no andar nobre da Assembleia da República seja suspensa. Fernando Rosas concorda, porque, sendo certo que “qualquer exposição de carácter histórico tem que exibir elementos fotográficos, iconográficos ou outros do antigo regime, desde ou de outro qualquer", neste caso, o problema reside "no contexto em que eles são apresentados".

"Parece que os presidentes são todos iguais e os regimes também. Nesse sentido, sendo isso que se verifica, há razões para protestar”, sublinha Rosas.

O historiador revela que, segundo pôde apurar, a mostra está “muito mal feita do ponto de vista técnico e científico” e carece de contexto histórico.

“Reescrever” a história?
À direita do espectro político, Jaime Nogueira Pinto não compreende a polémica. Para o professor universitário, autor de vários livros sobre a história portuguesa do século XX, os bustos dos presidentes da ditadura devem ter espaço na casa da democracia e, sobretudo, na história.

“No tempo do Estado Novo, que eu saiba, nunca ninguém se lembrou de retirar os bustos ou os nomes dos presidentes da I República que, em princípio, não eram propriamente muito queridos para o Estado Novo. Mesmo essa coisa de mudar nomes de ruas, todas essas políticas parecem-me de um reaccionarismo muito curto de vistas e de um grande fanatismo político”, lamenta, em declarações à Renascença.

O investigador critica as tentativas de “reescrever a História” e dá o exemplo da União Soviética. “O Estaline até apagava das fotografias figuras dos comunistas que tinham caído em desgraça, mas não acho que seja muito esse o clima em Portugal, em 2014, com o tipo de problemas que a sociedade portuguesa tem. Acho isso uma coisa bastante estranha e pouco normal”, afirma.

“Escrevi um livro sobre a I República e procurei ser independente na análise das pessoas. Se vamos aplicar critérios ideológicos à história... O infante D. Henrique não era propriamente um democrata. Até aos finais do século XVIII, os governantes, por essa lógica e por esses critérios, tinham que ser amaldiçoados e excluídos da história. Parece-me uma coisa esquisitíssima, pouco normal”, remata Nogueira Pinto.

Joaquim Esteves, o mestre oleiro que criou os bustos, lamenta a polémica e aplaude a decisão de manter a exposição.

“Assistiu-se a uma falta de cultura democrática, mas prevaleceu a democracia e o bom senso”, afirma o mestre, que conta marcar presença na abertura da mostra, esta quinta-feira, na Assembleia da República.