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Aqui era um banco. Agora é uma hamburgueria

01 out, 2014 • João Carlos Malta

O universo das agências bancárias está em revolução. Só este ano, devem fechar 370. As imobiliárias já identificaram a oportunidade de negócio e estão a apostar na reconversão. E os investidores chineses estão interessados.

Aqui era um banco. Agora é uma hamburgueria
O emagrecimento do número de balcões da banca acelerou nos últimos quatro anos. Mais de 700 dependências encerraram desde 2010. O fenómeno abriu uma oportunidade imobiliária que está a ser aproveitada. Estão a nascer negócios de todo o tipo: pastelarias, hamburguerias, imobiliárias, ópticas, seguradoras, ginásios e até uma junta de freguesia.

Há também investidores estrangeiros interessados nestes negócios. E os chineses seguem na liderança desse campeonato. Procuram adquirir uma ou mais fracções que valham 500 mil euros: através destas aquisições, estes investidores conseguem obter o visto de residência em Portugal e circular por toda a União Europeia.

A localização de várias agências bancárias nas zonas "premium" das grandes cidades faz com que a colocação destes imóveis seja relativamente fácil. Muitos nem chegam ao mercado – são transaccionados de imediato. Os negócios ligados aos serviços partem sempre à frente na segunda vida destes espaços.

A perspectiva de saída do Barclays (que esta semana anunciou o fecho de mais 70 balcões) e do BBVA de Portugal pode implicar o encerramento de mais 230 balcões, já este ano. Isso faria com que a presença da banca estrangeira se reduzisse para um terço do que era há quatro anos. E a banca nacional deverá fechar 150 localizações.

Informatização e restrições financeiras
As poupanças a que a banca está comprometida com a necessidade de reforço de capital determinada pelas instâncias internacionais e a crescente informatização da actividade através de ferramentas como o "homebanking" ajudam a explicar o movimento de encerramentos.

A consultora imobiliária norte-americana CBRE tem acompanhado o banco inglês neste processo.

"Todos sabemos que existe uma racionalização dos bancos do número de agências que têm abertas, o que tem levado a um conjunto de encerramentos no continente e nas ilhas", lembra Carlos Récio, director de retalho da CBRE.

O especialista imobiliário diz que as "agências de bancos são normalmente bem localizadas junto a zonas de negócio" e "têm um conjunto de características de visibilidade que servem a outras actividades".

"Já fizemos negócio com as seguradoras, para a restauração, com ópticas e espaços ligados à moda. Não há só um negócio em específico", explica Récio.

Há vários casos que ilustram esta realidade em Lisboa. Uma dependência do Barclays, na zona do Restelo junto aos Pastéis de Belém, passou a pertencer à cadeia de hambúrgueres Honorato. Na mesma zona, uma agência do Millennium BCP transformou-se numa Padaria Portuguesa. Mas nem só de negócios se faz a segunda vida dos bancos: a agência do Barclays na Alameda dos Oceanos deu origem à Junta de Freguesia do Parque das Nações.

As próprias imobiliárias como a Era e a Century 21 estão a ser mediadoras e compradoras destes espaços. Em Lisboa, no Porto, em Cascais e também no Algarve.

Chineses de olho nas oportunidades
Neste campeonato são os chineses que estão na linha da frente, diz o administrador da Era em Portugal, Miguel Poisson. "As agências bancárias ficam em 'zona prime', ou seja locais estratégicos para o comércio e para os serviços. Estão muito bem localizadas nos centros urbanos. E os chineses têm demonstrado interesse".

"A procura deles é real e até já aconteceu comprarem mais do que uma fracção para fazer 500 mil euros [valor necessário pra obter o ‘visto gold’ através do mercado imobiliário], acrescenta Poisson. Já o gestor da CBRE diz que estas compras ocorrem normalmente quando "está associada uma renda".

Para a mediação imobiliária, o administrador da Península Ibérica da multinacional norte-americana Century 21, Ricardo Sousa, reconhece que este é um segmento de negócio "cada vez mais importante".

"São muito atractivos para espaços de moda ou restauração porque têm muito tráfego pedonal", reconhece. Ainda assim, diz este gestor, apesar da boa localização destes espaços, há uma clara diferença entre os grandes centros urbanos e o interior quando é altura de vender.

Nas zonas rurais, diz Carlos Récio, da CBRE, "a oferta está mais preenchida" e "é mais difícil a colocação [das dependências bancárias] porque a procura não existe ou é muito reduzida".

Por isso, se a transacção nas zonas "prime" das cidades é imediata, noutras localizações a venda ou arrendamento pode demorar até cinco meses. Há ainda casos em que os espaços ficam sem conhecer novo dono, alerta Récio.

Ricardo Sousa acrescenta que nas povoações mais pequenas há, por vezes, uma desadequação entre o tamanho das agências (entre 200 e 300 metros quadrados) e o que os negócios locais precisam (entre 80 e 100 m2).

A imobiliária em que as pessoas iam para fazer depósitos
Em Cascais, mais precisamente na freguesia da Parede, a Renascença falou com o director comercial da Century 21 local, José Gomes, que ocupou uma dependência do Millenium.


Do antigo banco "só ficaram as paredes". Foto: João Carlos Malta/RR

"Ao princípio era uma grande confusão. As pessoas vinham aqui com dinheiro para depositar", recorda.

O "franchisado" quis apostar num mercado "estável", em que "as pessoas estão de bem com a vida" e há "poder financeiro". "Não há crédito mal parado", sublinha.

A transformação da loja não foi fácil, mas a localização no centro foi decisiva. "Só ficaram as paredes, o resto mudou tudo. Ainda foi um investimento de dezenas de milhares de euros", reconhece. Daqui a um ano (tempo médio de maturação do negócio imobiliário) saberá se o investimento valeu a pena.