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João Almeida Moreira

“Marina pode forçar segunda volta”

27 ago, 2014 • José Bastos

Presidenciais no Brasil a 5 de Outubro. Média das sondagens: 29% de Marina, contra 34% de Dilma e 19% de Aécio Neves. Segunda volta: 45%-36%, a favor de Marina.

“Marina pode forçar segunda volta”

A morte de Eduardo Campos, candidato do Partido Socialista Brasileiro (PSB) baralhou os dados na corrida ao Palácio do Planalto, a 5 de Outubro. Desde o trágico acidente de Santos, a candidatura do PSB ganhou força com a liderança de Marina Silva, uma política conhecida do eleitorado, ex-ministra do Ambiente de Lula, por posições próximas dos protestos anti-sistema de 2013.

João Almeida Moreira, correspondente da Renascença em São Paulo, analisa as expectativas, contradições e riscos na campanha presidencial brasileira, admitindo como provável, agora que Marina irrompeu na corrida, uma segunda-volta.

A morte de Eduardo Campos está a ter efeitos na campanha. Até à nomeação de Marina Silva, as sondagens sugeriam uma corrida a dois entre Dilma e Aécio, mas Marina escalou até à segunda posição nas preferências de voto. Vamos ter alterações de estratégia na campanha de PT e PSDB?
Sim, temendo que Marina não seja apenas uma nuvem passageira, PT e PSDB já se tornaram mais agressivos. Ambos pegam no facto de Marina ter pouca experiência de gestão pública. Dilma disse mesmo que quem se candidate à presidência e não saiba administrar se torna uma rainha de Inglaterra. Aécio quer ter o monopólio do sentimento de mudança: “Se é para fazer o novo, melhor apostar em que já fez o novo”, diz a sua campanha, aludindo ao tempo em que, com sucesso, Aécio governou Minas Gerais.

É real a possibilidade de Marina forçar uma segunda volta? E em caso de segunda volta, ameaçar Dilma?
Sim, tendo em conta as últimas sondagens conhecidas na noite de terça-feira: dão a Marina 29 pontos contra 34 de Dilma, ainda líder, e 19 a Aécio. A projecção de segunda volta deixa Marina com nove pontos de avanço em relação a Dilma: 45 contra 36. Resta saber se estes resultados ainda são fruto da superexposição de Marina nos últimos tempos e da comoção em torno da morte de Campos ou se se solidificarão em Setembro. A sondagem foi feita a 25 de Agosto, 12 dias após o acidente.

Como se explica as expectativas do eleitorado por Marina? Pelas sombras estruturais (corrupção, crescimento económico, desigualdade na distribuição de riqueza, política ambiental) ainda a persistir, apesar dos 30 milhões que saíram da pobreza?
São 12 anos de PT, com muitos méritos e também alguns fracassos, e antes oito de PSDB, também meritórios mas com falhas. O país quer uma terceira via e essa terceira via fala, demagogicamente ou não, em pureza de comportamentos, em ética pública e em outros temas ainda e sempre caros a uma população cada vez mais intolerante com a corrupção.

Alguns especialistas em marketing político sugerem que a imagem simbólica de Marina é maior do que ela como candidata e que a ambientalista é um elemento novo no xadrez político que se adequa ao desejo de mudança de parte do eleitorado. Que eleitorado é esse? O das classes mais baixas ou Marina apela para outros segmentos, por exemplo, o jovem e urbano?
Jovem, urbano e instruído. O eleitorado de Marina encaixa como uma luva nos manifestantes de Junho de 2013, aqueles que sendo de esquerda, na sua maioria, não se revêem no PT, demasiado corrompido pela acção do poder, e que jamais votarão PSDB, ainda muito associado às classes mais privilegiadas. Há um dado menor, mas interessante: Marina é evangélica e, desde que apareceu, esvaziou o candidato Pastor Everaldo, que chegou a ter 3% de intenções de voto e apelava ao voto dessa área religiosa. Mas é apenas um lado. No essencial, o eleitorado de Marina é jovem, urbano e instruído.

Era uma campanha sem emoção. Agora Marina introduz uma componente de paixão – o eleitor pode dizer: ‘volto a ter esperança’. Num período tão curto, pouco mais de 35 dias, é escasso o tempo que Dilma e Aécio têm para desconstruir a imagem de Marina?
Os ‘marqueteiros’ políticos brasileiros são considerados internacionalmente como dos mais hábeis. Penso que 35 dias chegará até porque só agora começou a campanha televisiva e lá Aécio tem o dobro do tempo de antena de Marina e Dilma quatro vezes mais – o tempo é fruto do número de partidos, e do peso eleitoral deles, que apoiam o candidato. Do meu ponto de vista, a campanha ficou emocionante, claro, mas não sinto, com muita clareza, uma onda de esperança, uma vaga de fundo com a chegada de Marina. Sinto, por enquanto, mais uma declaração de protesto ou um aviso.

Marina tem um lado algo politicamente messiânico – mas vai superar perguntas do tipo: como resolve a educação, como faz crescer a economia, como melhora serviços públicos, os transportes, a segurança?
Esta terça-feira, decorreu o primeiro debate entre candidatos. Um modelo decalcado do americano, como tanta coisa no Brasil, e que não resulta numa democracia ainda pouco madura. Seja como for, se houve algo de palpável a sair do debate, foi que Dilma e Aécio, e até candidatos laterais, apresentaram propostas com mais substância do que Marina. Esse lado, o de candidata sonhadora mas pouco consistente, o seu ponto fraco, tem de ser trabalhado rapidamente pela ambientalista. Ela tem de ser mais rápida a trabalhá-lo do que os ‘marqueteiros’ adversários a evidenciá-lo, estará aí a chave da campanha. Talvez.

Mas quem decide a votação? É o eleitorado de classe média baixa (até aqui muito consolidado em Dilma)?
Quem ganha a eleição é quem trouxer para si a maior fatia dos 71% de eleitores que querem mudança. Mudança radical ou mudança suave. Até chegar Marina, os eleitores que falam em mudança, paradoxalmente, inclinavam-se mais para Dilma do que para Aécio, desde que a Presidente sinalizasse que ia trazer diferenças à área económica no segundo mandato – Lula, em plena campanha na TV, disse mesmo que a Dilma vai mudar para ainda melhor, para reforçar que votar nela pode ser votar na mudança. Aécio, sempre na ordem dos 20 pontos, não consegue captar esses votos – 20 pontos é o que vale o PSDB. Marina intrometeu-se e, além de nas sondagens ter roubado quatro pontos aos concorrentes directos, mais dois aos partidos pequenos, roubou sete aos indecisos. Vamos ver se continuará a arregimentar indecisos...

Apesar dos escândalos, o PT ‘olhou’, diz-se, para os pobres. Marina, com uma história de vida muito próxima de Lula (foi analfabeta até tarde na vida, nasceu numa região pobre, superou adversidades) pode capitalizar esses dados?
Sim, Marina passa a imagem que Lula tinha antes de chegar ao poder e de se ter deixado chamuscar pelo seu exercício. Mas Lula demorou quatro eleições para lá chegar, Marina ainda só vai na segunda. Por outro lado, Marina até pode desviar votos de descontentes com o PT nos grandes centros mas no norte e nordeste, onde moram os grandes beneficiários das conquistas sociais do PT, a força de Lula e Dilma é indestrutível.

A subida de Marina indicia que esta eleição é muito mais uma eleição de candidatos que de partidos políticos?
Sem dúvida. Salvo os três grandes: o PT e o PSDB, com os seus candidatos próprios desde há décadas, e o PMDB, que serve de fiel da balança e agora está do lado do PT, os outros partidos têm dificuldade em ser identificados nacionalmente pelo eleitor.

Quais são os desafios de Marina junto do eleitorado de classe A e B, mais escolarizado, Marina com uma agenda conservadora’ . Há contradições?
Sim, Marina, que é contra a interrupção voluntária da gravidez e tende noutros temas sociais a ter posições conservadoras, vai ter grande dificuldade em adaptar o seu discurso ao do seu eleitorado, jovem, urbano e de esquerda, em grande medida favorável à liberalização da IVG e da maconha, etc.

Inflação, emprego, segurança e qualidade dos serviços públicos – são estas as chaves da campanha?
Sublinharia inflação, que até tem um lado psicanalítico no Brasil, já que largas parcelas da população viveram tempos em que a inflação chegava aos 3 e 4 dígitos e por isso assusta só de ouvir. E qualidade dos serviços públicos: o país chegou a um ponto de progresso em que já não admite andar para trás – o PT combateu em larga escala e com enorme sucesso a miséria e deu oportunidade a 50 milhões de brasileiros de acederem ao consumo, de carros, de telemóveis, de tudo um pouco. Agora, o desafio é adequar a saúde, o transporte e a educação a níveis mínimos, o que ainda não foi feito em largas partes do país. O emprego ainda não é problema – pelo menos visível – e a segurança, apesar da percepção contrária porque ainda há, claro, muito crime, tem melhorado segundo a maioria dos indicadores.

O eleitor acredita que com Dilma a economia estagnou mesmo? Acreditava que a economia ia continuar a crescer com a mesma velocidade de Lula?
O eleitor menos informado e mais prático olha para o seu bolso hoje e compara-o com o de há 20 anos e nem entende como se fala em estagnação – no povo, no ‘povão’, como se diz no Brasil, a crise é uma invenção dos grandes ‘medias’ do sudeste (Rio e São Paulo). No sudeste, porém, onde estão os grandes medias e também o eleitor mais informado, sente-se que, a curto prazo, a receita do consumo esgota-se. Ou o Brasil investe em infra-estruturas, como rodovias, hidrovias, portos, etc, para escoar tudo o que produz; diminui a carga tributária nas empresas e nos cidadãos e nos preços; abre-se ao mundo com acordos comerciais a sério e não com a farsa do Mercosul; e atrai novamente investimento ou fica para trás, estagnado. A chave está em Dilma mostrar ao sudeste e ao eleitor tipo do PSDB que ela está disposta a liderar esse projecto e não em deixar que seja apenas Aécio a segurar essas bandeiras.

Dilma está na frente das sondagens – é um voto de gratidão por Lula ou por Dilma? Ou o eleitor jovem pode ser chave? Do tipo “ok a vida do meu pai ficou melhor, mas e, agora, a minha?’
Há nalguns casos gratidão mas, salvo talvez no aumento de preços de produtos básicos, há também a sensação de que o país não está tão mal como a imprensa o pinta. A imprensa e os especialistas económicos fala em indicadores mas o povo ainda não os sente tanto assim na pele.

Qual é o papel de Lula nesta eleição?
Essencial, é o mandatário nacional informal de Dilma. Podem os dois dividir palanques, como se o PT tivesse dois candidatos. Dilma faz uma inauguração no sul, Lula um comício no norte, etc. Além disso, o “Volta Lula”, movimento que chegou a ser equacionado há um ano quando a aprovação de Dilma caiu a pique, foi silenciado, ou seja, Lula deixou de ser um fantasma para Dilma para voltar a ser o seu fiel ‘cabo eleitoral’.

O elevador social tem funcionado nos últimos anos... Esses dois Brasis estão a aproximar-se na cultura, nos shoppings, nos aeroportos, ou ainda falta muito?
As duas coisas. Aproximou-se muito, ainda falta muito. A diferença era tão abissal para os nossos padrões europeus que, mesmo com uma aproximação notável nos últimos anos, as distâncias ainda são grandes. A desigualdade social é uma chaga profunda e demorará mais um ou duas gerações a sarar. Grande parte do Brasil apanhou o elevador social para cima, mas parte dos que já lá estavam preferiram tomar outro elevador para não se misturarem. O caso da socialite brasileira que dizia recentemente que ir a Paris deixou de ter graça porque agora até o porteiro dela pode ir, é sintomático de uma certa maneira de pensar.