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Santana Lopes prevê redefinição da "essência do caminho" da UE

25 jul, 2014 • José Pedro Frazão

O ex-primeiro-ministro e o antigo comissário António Vitorino analisam os desafios da Europa face à globalização, comentando a entrevista do antigo director-geral da Organização Mundial do Comércio, Pascal Lamy, ao programa Fora da Caixa da Renascença.

Santana Lopes prevê redefinição da "essência do caminho" da UE
O ex-primeiro-ministro e o antigo comissário António Vitorino analisam os desafios da Europa face à globalização, comentando a entrevista do antigo director-geral da Organização Mundial do Comércio, Pascal Lamy, ao programa Fora da Caixa da Renascença.

O ex-líder do PSD Pedro Santana Lopes considera que o mandato legislativo que agora se inicia na União Europeia “é fascinante para quem desempenhe funções nos diferentes órgãos europeus”.

“Há aqui um redefinir da essência do caminho da União Europeia. Com que batida vamos caminhar? Que música vamos dançar, qual a sinfonia que vamos seguir? Na prática, se temos uma Europa fiel à sua matriz ou com algum desvio para modos que não sabemos quais são”, diz o antigo primeiro-ministro no programa Fora da Caixa da Renascença.

Os primeiros tempos são diferentes para uma nova Comissão Europeia. António Vitorino assegura que em todos os mandatos “há um apalpar de terreno, ver como reagem os outros”.

O antigo comissário reconhece que Jean Claude-Juncker entra com a legitimidade democrática que advém de uma votação expressiva, “embora tenha uma perda de votos que há sempre”, com o apoio do Partido Popular Europeu, do Partido Socialista Europeu, dos Liberais e dos Verdes.

“É uma grandíssima coligação e isso vai dar-lhe uma posição de partida de conforto quando tiver que se confrontar com os estados-membros, independente de saber se se trata de Malta ou da Alemanha”, garante.

Uma Comissão forte
Em entrevista ao Fora da Caixa da Renascença, o antigo director-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) Pascal Lamy fez a defesa de um modelo que passa por uma Comissão Europeia com força para influenciar decisivamente o rumo da União.

António Vitorino concorda com o presidente honorário da Fundação Notre Europe - Instituto Jacques Delors. “Eu não defendo o regresso ao passado”, diz o antigo comissário.

“Havia no comportamento da Comissão – e estou à vontade para o dizer – uma mentalidade imperial e uma certa lógica de produção burocrática de regras para se autojustificar que não pode continuar. Porque é aí que está em larga medida a origem da desafeição dos europeus e da dificuldade de compreenderem o projecto europeu”, alerta Vitorino, que considera que Juncker entende “perfeitamente” este facto.

Vitorino considera que o processo intergovernamental é importante, embora tenha limites. “E estamos lá muito próximo: é quando temos a percepção de que há estados de primeira e de segunda. Aí acaba a possibilidade do intergovernamental garantir o interesse geral europeu. Repor a comissão num papel central significa garantir que os estados são todos tratados da mesma maneira, em condições de igualdade. E que o interesse geral europeu, definido pela Comissão, prevalece sobre os interesses de alguns estados que transitoriamente podem estar numa situação mais confortável”, argumenta.

"Globalizar a civilização"
Comentando a proposta de Lamy para civilizar a globalização, Santana Lopes chama a atenção para o jogo entre competitividade e protecção de direitos sociais adquiridos.

“É no meio deste processo que se encontra a classe média e o modo como ela pode aguentar de forma sustentável esta reconversão profunda dos equilíbrios sociais e da legislação enquadradora das relações sociais, nomeadamente as laborais e outras”, defende o antigo primeiro-ministro, que contrapõe uma ideia: “é preciso globalizar a civilização”.

É aqui que ganha importância o tratado transatlântico em negociação entre a União Europeia e os Estados Unidos. Se Lamy espera para ver se algo se constrói no domínio comercial, Santana Lopes considera que esta parceria é um “caminho vital para assegurarmos a competitividade sem pormos em causa a nossa civilização e a generalidade dos direitos adquiridos”.

Vitorino assegura que Lamy não tem “reserva mental” contra a parceria. “É sobretudo a consciência da enorme tarefa que este acordo representa. Chegar a acordo sobre regras regulatórias em áreas tão distintas como os serviços financeiros, serviços culturais, produtos e serviços, mas também os químicos ou a segurança alimentar. São áreas onde há diferenças em termos de comportamentos sociais e culturais dos dois lados do Atlântico”, sustenta o antigo comissário.

Aproximar culturas
António Vitorino acredita que o sucesso desta parceria passa por uma forma de reconhecimento mútuo de critérios. “Tem que se encontrar uma solução que diga que nem nós vamos adoptar os critérios americanos nem os americanos vão adoptar os nossos critérios.”

Onde é que está o cerne da questão? “É que os europeus preferem o princípio da precaução. Na dúvida, não se comercializa. Os americanos têm outra lógica, que é o princípio do poluidor – pagador, de que quem faz o dano paga-o. Há maior permissividade para pôr no comércio produtos que podem envolver algum risco. Mas desde que se prove de facto que o produto tem de facto esse risco, há uma sanção extremamente pesada. São duas culturas distintas que vão ter que se aproximar”, remata o antigo ministro socialista.

O Fora da Caixa, que pode ouvir à sexta-feira a partir das 23h00, na Edição da Noite, é uma colaboração da Renascença com a EURANET PLUS, rede europeia de rádios.