04 jul, 2014 • José Pedro Frazão
A questão coloca-se ao nível do perfil e do pelouro que o próximo comissário europeu vai ocupar no próximo executivo comunitário. “Tudo leva a admitir que seja alguém com currículo político forte”, sugere Pedro Santana Lopes, programa “Fora da Caixa” da Renascença.
O ex-primeiro-ministro compara Passos Coelho a Cavaco Silva num pormenor. “Gosta de fazer escolhas surpreendentes, um pouco como era Cavaco como primeiro-ministro. Isso pode levá-lo a escolher um tecnocrata”, alerta.
Santana elenca um conjunto de factores que o levam a sugerir uma escolha diferente. "Dado o estado do sistema político, da relação de forças hoje em dia, das realidades da coligação, da relação entre a coligação e a oposição, acho que tem que ser alguém com peso político. Seja da área da maioria ou da oposição, que granjeie um consenso na sua indigitação. [Uma personalidade da oposição ?] Não excluo à partida. Terá sempre vantagens se suscitar um consenso amplo e um respeito generalizado”, sublinha o comentador do “Fora da Caixa”, que não considera obrigatório que o indigitado tenha sido governante. O ex-primeiro-ministro diz que o próximo comissário tem que aliar vectores como a competência, experiência, capacidades políticas e de gestão.
A escolha do pelouro pode ser condicionada pelo facto de Portugal ter tido um presidente da Comissão Europeia durante dez anos. António Vitorino diz que é preciso “mudar a mesa de jogo” e tentar jogar com outros trunfos, como o género. “Uma das preocupações que existe sempre na Comissão é “cherchez la femme”, como dizem os franceses. A Comissão Barroso tinha um terço de mulheres. Dificilmente, do ponto de vista, a próxima Comissão terá menos mulheres que a anterior. Essa é uma preocupação porque as classes políticas nacionais são ainda muito masculinas”, explica o antigo comissário.
Vitorino acredita que mais importante é a questão do peso político da personalidade e pede “um comissário ou comissária com peso político próprio, capaz de influenciar as decisões do colégio para garantir um pelouro com visibilidade e com tracção. A questão do perfil também conta para impedir que sejamos relegados para um pelouro marginal”, sublinha.
Craque para uma equipa nova
Um problema no pós-Barroso? Santana Lopes vai buscar metáforas ao futebol. “É como aquelas equipas que de repente fazem uma grande época e vão às competições europeias. E na época seguinte quase que caem de divisão. Aconteceu ao Paços de Ferreira…”, exemplifica o antigo líder do PSD. António Vitorino responde de pronto: “por isso é melhor contratarem um Neymar (risos)…”
Esse “número 10” vai entrar numa equipa de 28 titulares da primeira equipa de governo de Bruxelas, liderada por Jean-Claude Juncker, caso seja confirmado pelo Parlamento Europeu. António Vitorino tem uma táctica para dispor esta equipa. “Vai ser preciso recuperar um pouco a colegialidade, o que implica uma outra organização interna da Comissão por ‘clusters’, por núcleos de comissários”, aconselha Vitorino que dividiria o executivo em seis áreas que gravitem em torno de matérias como a União Económica e Monetária, a economia digital, a política externa ou a segurança e cidadania.
É aí que o antigo ministro encontra justificação para um perfil marcadamente político do novo comissário. “ A influência política do comissário nessa dinâmica dos ‘clusters’ e do próprio colégio é importante. Não para defender os interesses de Portugal – o comissário não está lá com a bandeira e o cachecol. O comissário está lá para dizer qual é a sensibilidade de Portugal sobre o assunto ‘y,x,z’ é esta e é bom que a respeitem”, remata.
Menos papelada e melhor organização
Santana Lopes concorda que há um enorme trabalho a fazer. “Em vez de materialização há toneladas de papel. Em vez da horizontalidade, há as “capelas” que tanto censuram nas burocracias dos diferentes Estados-membros”, critica.
Para o provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, esse quadro deve ser revertido até em nome da competitividade, do funcionamento eficaz das dinâmicas da economia e da capacidade para demonstrar que é possível competir com outras partes do mundo.
António Vitorino volta a propor um emagrecimento das estruturas comunitárias. “A reforma passaria pela redução do número de direcções-gerais, para limitar a chamada produção normativa burocrática. É a máquina que gera leis para se autojustificar. Aí [o primeiro-ministro britânico David] Cameron tem razão nas críticas que faz. É um critério de filtragem política. Mas há também um problema de horizontalidade na circulação da informação. Cada pelouro funciona como um silo, fechado sobre si próprio. Quando na realidade o valor acrescentado da União Europeia é a interacção das várias áreas”, sublinha o antigo comissário europeu.
No programa Fora da Caixa desta semana António Vitorino e Pedro Santana Lopes também olharam para o processo de escolha e para a missão do novo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.
O Fora da Caixa, que pode ouvir à sexta-feira a partir das 23h00, na Edição da Noite, é uma colaboração da Renascença com a EURANET PLUS, rede europeia de rádios.