Emissão Renascença | Ouvir Online

Álvaro Santos Almeida

"Quem recebe pensões mínimas vai estar pior em 2015"

04 mai, 2014

“Urnas deviam penalizar governo que prejudica 9,5 milhões para dar bónus a 500 mil”, afirmou o economista no "Conversas Cruzadas" da Renascença.

"Quem recebe pensões mínimas vai estar pior em 2015"
“Urnas deviam penalizar governo que prejudica 9,5 milhões para dar bónus a 500 mil”, afirmou o economista Álvaro Santos Almeida no "Conversas Cruzadas" da Renascença.

 "É uma medida perfeitamente deslocada que vai contra o que tinha sido a política do Governo", diz Álvaro Santos Almeida sobre a decisão inscrita no Documento de Estratégia Orçamental (DEO) que visa compensar o fim da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES).

O DEO prevê a substituição da medida em 2015 por uma nova contribuição de sustentabilidade. O valor será compensado por mais IVA e TSU numa opção em que o Governo tentou culpar o Tribunal Constitucional.

O economista, ex-quadro do FMI, defende que o executivo "prejudica 9 milhões e meio para dar um bónus a 500 mil pensionistas e devia ser penalizado nas eleições".

Já Manuel Carvalho da Silva critica um Governo que prometeu não aumentar mais impostos e acabou por o fazer. "É um exemplo, uma amostra pequena daquilo que é a falta de ética, a falta de rigor. Do recurso normal à mentira como elemento de gestão política. Ora, isto não se pode admitir. Não pode ser", defende o ex-líder da CGTP.

Quem ganha e perde com o aumento do IVA e TSU? "No caso dos funcionários públicos alguns ganham, mas outros perdem. Porque o conjunto das medidas que afectam os funcionários públicos tem um efeito neutro", sustenta, por seu turno, o professor da Economia na Universidade do Porto.

"Quem está melhor com esta medida de redistribuição do esforço? São os 505 mil pensionistas que pagam a CES. De facto, esses vão pagar menos 290 milhões de euros de Contribuição Especial de Solidariedade", defende Álvaro Santos Almeida.

"Para pagar o bónus que é dado a 505 mil pensionistas vai-se aumentar o IVA que é pago por todos. Incluindo os pensionistas de pensões mínimas que não são afectados pela CES e, portanto, não ganham nada com isto. Ou seja: quem recebe pensões mínimas vai estar pior em 2015 do que está em 2014. Os trabalhadores do sector privado vão estar pior em 2015 do que estão em 2014. Tudo para pagar a 500 mil pensionistas quando o Governo tinha vindo a dizer que não ia aumentar impostos", indica o economista, ex-quadro do FMI em Washington.

Carvalho da Silva: "não alinho na espiral regressiva"
Manuel Carvalho da Silva alerta para a necessidade de assegurar o futuro do sistema público de Segurança Social.

"Na sociedade portuguesa eu não alinho na onda da ‘espiral regressiva’, já gerada há muito tempo, que é: ‘se aquele tem e eu não tenho tire-se aquele para ficar igual’. Esse é o desastre" nota.

"Em relação à Segurança Social, existe hoje todo um argumentário – já instalado no centro da Europa mesmo em regimes muito estabilizados – de ataque aos sistemas públicos de Segurança Social e uma evocação das condições anteriores. De que o sistema é redistributivo e não é de capitalização para justificar exactamente uma interpretação pelo lado da capitalização e colocar em causa as bases para a sua redistribuição", defende o sociólogo do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

Carvalho da Silva defende um sistema "sem excluídos". "Procuremos que todos - o máximo possível – tenham emprego. Tenham salários dignos.  Que todos contribuam para o sistema da Segurança Social. Que não existam bolseiros sem vínculo de trabalho e relações estabilizadas. Que não existam precários que não podem contribuir. Que, inclusivamente, os que ganham muito contribuam na dimensão do que ganham para o sistema", advoga o sociólogo.

"É preciso estar constantemente a fazer acertos para a sustentabilidade e saídas. Esses é que são os problemas de fundo do sistema da Segurança Social. Agora, a sua subversão, levar aqueles que podem ter uma pensão melhor a desistir, a um ‘não vale a pena, porque depois eu não tenho’ é desarmar o sistema público de Segurança Social", alerta Carvalho da Silva.

Álvaro Almeida: "Os prejudicados não votam"
Álvaro Santos Almeida insiste na injustiça da medida governativa. "É preciso que os portugueses tenham noção: estes 500 mil pensionistas que pagam a CES são duplamente privilegiados. São privilegiados porque têm uma pensão maior que a maior parte dos salários de quem trabalha e, sobretudo, porque têm pensões que mais nenhum português há-de ter na história".

Mas a decisão de aliviar meio milhão de pensionistas decorre do ciclo eleitoral? "Do ponto de vista eleitoral não faz sentido. Porque são 500 mil que vão beneficiar e há 9 milhões e meio a ser prejudicados. A única explicação do ponto de vista eleitoral tem a ver com o facto de, em Portugal, um em cada quatro eleitores ser pensionista. Provavelmente o cálculo que o Governo faz é de que, em termos de eleitores, quem vai às urnas vai ganhar com a decisão", observa Santos Almeida.

"É pena que os jovens e os trabalhadores não tenham uma taxa de participação nas eleições igual à dos pensionistas que penalize um governo que faz uma opção política deste tipo. Um governo que opta por beneficiar 500 mil prejudicando os outros 9 milhões e meio devia ser penalizado nas urnas por aqueles que são prejudicados. Mas o problema é que esses não vão votar", conclui.