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"A minha segunda casa". 40 anos de IPO na primeira pessoa

17 abr, 2014 • Joana Costa

Têm 17, 33 e 73 anos. Une-as o cancro. Joana, Laura e Ercília são portadoras de um final feliz que em comum passou pelos corredores do IPO do Porto.

"A minha segunda casa". 40 anos de IPO na primeira pessoa

Celebra 40 anos de existência. É para muitos uma "segunda casa". Joana, Laura e Ercília têm 17, 33 e 73 anos. Une-as o cancro, que ultrapassaram no Instituto Português de Oncologia do Porto.


"No IPO sinto-me segura"
Despertar para a adolescência com um cancro. Foi esta a realidade de Laura Silva aos 14 anos. Em Setembro de 1994, após uma consulta no médico de família, rumou ao IPO do Porto. Diagnóstico ao fim de uma semana de exames: linfoma de Hodgkin, um cancro nos gânglios linfáticos.

"Confesso que não me recordo muito bem de como foi o primeiro dia. Lembro-me de estar à espera no carro. O meu pai foi à frente. Depois entrei directamente para um gabinete. Foi um bocadinho assustador", conta à Renascença.

De 15 em 15 dias, durante 6 meses, fazia 30 quilómetros até ao Porto para os tratamentos de quimioterapia ("para recuperar no fim-de-semana e poder ir às aulas na segunda-feira seguinte"). Em Fevereiro seguiram-se os tratamentos de radioterapia até Junho de 1995.
 
"Frequentava, na altura, o nono ano. A fase da adolescência. Houve muitas transformações físicas. Logo a começar pela queda do cabelo, a mais marcante. Mas, a certa altura, começamo-nos a habituar ao nosso físico e às nossas transformações", confessa.
 
O pensamento positivo, diz Laura, foi a chave de um final feliz. "A verdade é que nunca pensei que poderia morrer daquela doença. Isso nunca me passou pela cabeça. Sempre pensei mais à frente. Que aquilo acabaria por passar".

E passou. Vinte anos depois, Laura, hoje com 33 anos, está curada. "Sou casada, tenho uma filha de 3 anos, faço uma vida perfeitamente normal, e não há qualquer vestígio de que tenha passado por essa situação. Quem não me conhece não tem nenhuma pista de que passei por isto".

Há muito que esta professora do segundo ciclo teve alta das consultas anuais obrigatórias após tratamento contra o cancro, mas na memória terá sempre o IPO do Porto.

"No IPO sinto-me em casa. Sinto-me segura, porque foi o sítio onde me tratei e curei. Apesar de já não ter contacto com as pessoas com quem lidei na altura, lembro-me de cada uma delas, desde os médicos até às enfermeiras, passando pelas auxiliares e voluntárias. Sempre fui tratada com muito carinho por cada um deles, assim como a minha família", recorda.

"O que me salvou a vida foi ter entrado nesta casa"
"Não podemos ver esta casa como uma sentença de morte. Podemos vê-la num aspecto de esperança e de vida". É desta forma que Ercília Cardoso encara o IPO do Porto. O mesmo optimismo que a levou já a superar dois cancros no intestino.

"Tinha 50 anos quando recebi o primeiro diagnóstico de cancro. O meu pai tinha falecido há dois meses. O impacto foi brutal. Tive cancro de intestinos. Faltava um mês para o meu filho casar. Fiz uma colonoscopia, disseram-me que tinha de ser urgentemente operada, porque havia uma lesão. Nessa altura não entendia muito bem o que seria lesão. Os médicos não sabiam o que iam encontrar", explica à Renascença.

Apesar do susto inicial, não precisou de fazer tratamentos. O cancro estava localizado. Continuou a ser vigiada. Mas, 11 anos depois, o diagnóstico repetiu-se. Mudou a sua vida e os hábitos alimentares.

"Não é fácil. Quando se tem o primeiro cancro é complicado. No segundo vemos a situação de uma forma diferente e com mais serenidade. Os tratamentos já não são tao agressivos. Lá me levantei e fiz a minha vida normal. Temos de saber lidar com o cancro. Quanto mais lidarmos com ele, mais ele se afasta de nós", refere.

Aproxima-se do IPO do Porto para lidar com a doença. Ercília, reformada, 73 anos, é voluntária do Movimento Vencer e Viver, que apoia mulheres com cancro da mama.

"Esta é uma boa casa. Eu digo ao meu marido que esta é a minha segunda casa e ele muitas vezes diz que é a primeira. Tem belíssimos profissionais de saúde. O que me salvou a vida foi ter entrado nesta casa. É o que é o que digo a muitos doentes", remata.
 
"Pensava que aquilo era um hotel"
Um dia a rotina de Joana alterou-se. Após uma aula de ballet não foi para casa. O destino, avisou-a o pai, era o hospital. As suas mãos amarelas levaram o pediatra a pedir análises urgentes.

"Foi completamente acidental. Não tinha qualquer sintoma de doença", explica Joana Costa à Renascença, com a leveza dos seus 17 anos. Tinha oito quando foi diagnosticada com leucemia.

"Não percebi de início o que me estava a acontecer. Estive no IPO a primeira semana. Quando cheguei pensava que aquilo era um hotel e até perguntei à minha mãe onde era a piscina. Não tenho recordações más", diz.

"Aos poucos", foi-se "apercebendo da gravidade da situação". "E até houve uma altura em que estive três dias sem falar com os meus pais, porque não queria estar naquela situação. Mas depois decidi lutar e tirar o melhor partido desta situação", conta.
 
Foram mais ou menos nove meses de doença, longe dos amigos e da escola. Com o "percalço de ir para os cuidados intensivos com uma grave septicemia", que deixou Joana em coma duas semanas pelo meio. "Chegaram a dizer aos meus pais para se despedirem de mim, porque provavelmente eu não ia ultrapassar aquilo."

Entrou no IPO em Outubro de 2005. Em Agosto do ano seguinte já foi de férias com os pais. Volta anualmente para as consultas de vigia. Para o ano, aos 18, terá alta definitiva.

"Não tenho qualquer tipo de trauma com o IPO. Eu gosto de lá ir. Gosto de lá estar com os enfermeiros. E de reviver o que lá passei, porque eu não tenho más memórias. Aliás, a maior parte das memórias que tenho são boas, porque tudo aquilo me fez crescer e a dar valor às coisas. Ajudou-me também a perceber quem eram as pessoas realmente importantes para mim", explica.

"O cancro fez de mim o que sou hoje. E a personalidade que tenho está relacionada com o que vivi lá. Eu só consigo dizer as coisas boas que vivi lá. Porque, apesar de tudo, eu acho que vivi lá muitos bons momentos."