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Seis desafios à espera do novo Papa

14 mar, 2013 • Filipe d'Avillez

Vatileaks, diálogo inter-religioso, comunicação, pedofilia, apuramento da liturgia e "dossier" dos tradicionalistas são temas em cima da mesa do Papa Francisco. Cardeal Jorge Mario Bergoglio foi eleito aos 76 anos, depois de um Conclave que durou pouco mais de um dia.

Seis desafios à espera do novo Papa
O caso Vatileaks foi uma longa sombra que se estendeu sobre o final do pontificado de Bento XVI. Claramente abalado não só pelas revelações de escândalos, mas também pela traição pessoal do seu mordomo, o agora Papa Emérito ordenou uma investigação para chegar ao fundo do problema. Essa investigação resultou num dossier que lhe foi entregue em Dezembro e que apenas será divulgado por inteiro ao Papa Francisco.

Para muitos, este será o primeiro grande desafio do novo Bispo de Roma: proceder à "limpeza" necessária para melhorar a imagem da Cúria Romana, fortemente abalada pelas revelações e sobretudo pelos boatos que circulam desde então. Pedro Gil, católico leigo e responsável pelo departamento de comunicação do Opus Dei, considera que os escândalos resultam de um "afastamento de Deus" e que o mais necessário para resolvê-los é um Papa que "mantenha os olhos postos em Deus".

"Se ele olhar para Deus e vir Deus, poderá ver com os olhos de Deus. Penso que tanto para os leigos como para os outros, o mais importante é ter a segurança de que o Papa é para nós um sinal de Deus, porque hoje em dia o nosso maior drama talvez seja o facto de nos termos desabituado de contactar com Deus na nossa vida quotidiana", afirma Pedro Gil.

Para o rabino de Lisboa, Eliezer Shai di Martino, o primeiro desafio do Papa Francisco será mesmo enfrentar os escândalos. "O Papa terá de continuar, em primeiro lugar, os desafios que começou Bento XVI relativamente aos escândalos que aconteceram ultimamente no seio do Vaticano e deverá continuar a lutar e acabar com isso, nomeadamente com o terrível fenómeno da pedofilia."

Outro assunto que ficou em aberto foi o do diálogo com os tradicionalistas da Sociedade de São Pio X (SSPX), que rejeitam algumas reformas do Concílio Vaticano II e que se encontram em situação canónica irregular. Bento XVI procurou como ninguém estender-lhes a mão, mas, apesar de parecer iminente, nunca chegou a ser confirmado um acordo que permitisse a reintegração.

Resta ver como o novo Papa lida com o assunto, mas certo é que este foi um processo que abriu algumas feridas com outro grupo com o qual a Igreja procura manter boas relações - os judeus.

"A mim e à comunidade judaica interessa que se esclareçam determinados pontos em relação à SSPX, a única coisa que nos preocupou no pontificado de Bento XVI", explica o rabino Eliezer. A SSPX abraça uma teologia pré-conciliar que mantém certos termos e conceitos que os judeus consideram ofensivos, como o adjectivo "pérfidos" que é usado na oração de Sexta-feira Santa em que se reza pela conversão deste povo.

Reforma da reforma
Bento XVI investiu imenso naquilo a que chamou a "reforma da reforma" e que se traduziu num apuramento da liturgia católica, procurando torná-la mais solene e acabando com excessos que surgiram da reforma litúrgica dos anos 60. Para o padre Duarte Andrade e Sousa, ordenado há menos de um ano, este é um dos pontos fundamentais do novo pontificado.

"O Papa tem de continuar com a reforma da reforma, fazendo uma correcta interpretação do Concílio, do que são as intuições dos padres conciliares para a liturgia, para a pastoral, para a relação da Igreja com o mundo, para fé e razão e tudo o resto. É um caminho que tem sido feito e que a Igreja terá de continuar a fazer - e, com o distanciamento do tempo, com maior serenidade."

No campo externo, o padre Duarte elenca como grande desafio o diálogo com os "indiferentes". "A maior luta que [o novo Papa] tem de travar é contra a indiferença, isto nos países mais desenvolvidos. Não com pessoas reaccionárias contra a Igreja, que também há, mas pessoas para quem o Cristianismo é algo que já deu o que tinha a dar. O Papa terá o grande desafio de perceber como transmitir esta novidade do Evangelho."

Com 82 anos, durante os quais já viu serem eleitos muitos papas, o padre Dâmaso Lambers tem outras preocupações - teme que se esteja a esperar demais de um só homem. "Em primeiro lugar, que o Papa possa contar com a Igreja, com todos os homens, comigo, convosco. Porque um Papa sozinho não faz muita coisa. Tem uma voz que é ouvida, já não é mau, mas a concretização da Igreja não é só o Papa", refere o padre Dâmaso Lambers.

"Há pessoas que dão demasiada importância ao Papa. É importante, é o pai na fé, com certeza. E comprometemo-nos com ele, claro, como nos comprometemos com Jesus. Mas nós também somos responsáveis", considera o sacerdote de origem holandesa, que está em Portugal há várias décadas.

Diálogo e comunicação
Por fim, e na linha da continuidade com os anteriores Papas, o rabino Eliezer considera que há o desafio de manter e aprofundar o diálogo inter-religioso e ecuménico. "O Vaticano tem de continuar com o diálogo inter-religioso com as religiões que, quere se queira quer não, representam uma grande percentagem da população do mundo e que hoje em dia têm um papel muito mais importante no diálogo social."

Neste campo, o diálogo com o Islão assume uma importância preponderante, sobretudo com a incerteza que paira sobre o Médio Oriente e também devido ao aumento do Islão radical em África, um dos continentes com maior potencial de conflito inter-religioso. Mas a comunicação interna também é um grande desafio, considera o cónego João Aguiar Campos, director do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais da Igreja e presidente do conselho de gerência do Grupo r/com - renascença comunicação multimédia.
 
"A linguagem do encontro pessoal e a linguagem doutrinal e de passar o mistério para a linguagem do nosso dia-a-dia é sempre um problema que se vai pôr. Tornar compreensível a mensagem é um desafio, mas é um caminho que tem de se fazer."

O cónego João Aguiar Campos considera ainda que há um "problema de ritmo". "A Igreja acha que tem muito tempo, enquanto o mundo da comunicação social vive ao segundo."

Durante o pontificado de Bento XVI tentou-se melhorar a prestação da Igreja no campo da comunicação, mas os efeitos nem sempre se fizeram notar. "Espero que o Papa seja um bom comunicador. Não que seja um especialista, mas que dê seguimento a este aprofundamento da relação da Igreja com os meios de comunicação social, não como instrumentos, mas como um espaço que as pessoas habitam e que condiciona o modo de pensar e de ser", refere o director do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais da Igreja.

O cónego João Aguiar Campos considera ainda que "o principal desafio do Papa é continuar da melhor forma possível a renovação interna da Igreja e a apresentação ao mundo de um rosto renovado". E expressa um desejo: "Espera-se um pastor e um pastor bom".