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"A crise pode demorar dois séculos"

21 nov, 2011 • Catarina Santos

Pode ser um problema de adultos, mas as crianças têm a sua própria leitura da crise e é difícil que não se apercebam do momento que o país atravessa. A Renascença foi a uma escola pública ouvir diagnósticos e possíveis caminhos nas vozes de miúdos de nove anos.

"A crise pode demorar dois séculos"
Vêem na televisão, apercebem-se das preocupações dos adultos e não há como mantê-los num mundo à parte da crise. Os diagnósticos e possíveis caminhos, apontados por miúdos de nove anos.

VEJA A REPORTAGEM VÍDEO COMPLETA "QUEM SEREMOS DEPOIS DA CRISE?"

É um pensamento de adulto camuflado com palavras de criança. "Estamos pobres, há outros países que também estão pobres. A crise só vai acabar quando Portugal bater mesmo no fundo."

A roupa de Inês irradia cor-de-rosa, mas o optimismo encontrou uma fronteira exigente no vestuário. O rosto de Inês é tão fechado como o receio do que vai acontecer ao Portugal onde vive, o Portugal que ela teme que bata no fundo.

"Não haverá mais salvação possível", diz. "Quem devia ser responsabilizado por isto era mesmo o Passos Coelho e o Cavaco Silva, porque eles não estão a fazer um bom trabalho."

Alexandre, que estuda com Inês no quarto ano da Escola Básica Nº1 de Lisboa, não podia discordar mais. Não é rapaz de levantar a voz e até pode tropeçar numa ou noutra palavra, mas tem a certeza de que "a culpa também é dos eleitores, porque foram eles que os escolheram".

A mediar a diversidade de opiniões surge Rúben. O bom senso que lhe ampara os óculos não lhe permite precipitar-se em críticas irreflectidas, mas admite que se podiam evitar "algumas leis injustas", como "poderem reformar-se mais cedo" e permitirem que "outras pessoas levem o ordenado mínimo".

Certo é que não há na sala quem reaja com estranheza à palavra "crise". Vêem-na espelhada nos vizinhos "que não podem pagar a renda e que têm de se ir embora das suas próprias casas", nas "pessoas que dormem na rua", nos pais que "só compram o mais barato". E imaginam que tudo isto possa culminar em "pessoas que ficam muito magras e que podem morrer com anorexia".

E até quando pode durar? "Mais dois séculos", adivinha Luís, depois de deixar claro, entre suspiros, que "não gosta de falar nisto", porque é um assunto que o "preocupa".

O lado positivo da crise
João Carlos Almeida, que é professor do quarto ano na Nº1 de Lisboa, considera que "a crise ainda é algo difuso" para a maioria dos seus alunos. Presencia todos os dias casos concretos de crianças que vislumbram os efeitos da crise, "quando vai faltando o dinheiro" em casa e, em alguns casos, quando "saem dos colégios privados para virem para a escola pública".

As horas que passa a enfrentar as perguntas de dezenas de miúdos de nove anos permitem a João Carlos Almeida sublinhar o alcance das respostas certeiras. "Se formos honestos, as crianças percebem perfeitamente." E, depois, há que salvaguardar o futuro. "Se eles aprenderem desde pequenos a ter sentido de responsabilidade e consciência das dificuldades, podemos mesmo estar a criar gerações mais responsáveis."

Inês Teotónio Pereira alimenta o blogue "A Um Metro do Chão" há mais de dois anos, com as tiradas dos filhos e outras reflexões sobre a forma como as crianças vêem o mundo. Acredita que, para os pais, a crise até pode ser "uma ajuda", porque aprendem a dizer que não, seja pelas circunstâncias financeiras de cada família ou, simplesmente, pela noção de que é necessário "prepará-los para tempos mais difíceis".

A escritora vê mesmo a actual conjuntura como uma oportunidade para se reavaliar o valor social atribuído ao dinheiro. "Se andamos todos a falar a mesma linguagem, qual é a vergonha de termos dificuldades financeiras?".

No fim de contas, como diz Alexandre, "uns conseguem saltar por cima do buraco e outros afundam-se", mas a falta de dinheiro "é um problema que afecta toda a gente".

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