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Eurodeputado do Syriza: "Já aceitámos que a austeridade vai continuar na Grécia"

16 jun, 2015 • José Pedro Frazão, em Estrasburgo

Stelios Koulouglou diz acreditar num acordo até ao final do mês. Em entrevista, diz que desorganizados são os credores e revela como o ministro das Finanças alemão afastou Varoufakis das negociações.

Eurodeputado do Syriza: "Já aceitámos que a austeridade vai continuar na Grécia"

Não é um eurodeputado convencional. Stelios Koulouglou é um conhecido jornalista e documentarista grego, autor de documentários como "Whistleblowers" (2004), "Oligarchy" (2012) - também rodado em Portugal - "Holocaust of Memory" (2013), "The Godmother" (2014) e "Escape from Amorgos" (2015). Conhece bem Lisboa, cidade favorita que diz visitar com frequência, instalando-se sempre num hotel do Príncipe Real, que é base para as suas caminhadas.

Koulouglou aceitou falar à Renascença no final da semana passada em Estrasburgo, à margem da sessão plenária do Parlamento Europeu. E não se esquivou a dar exemplos do que é aceitável ou não num acordo entre Atenas e as instituições internacionais.

O que nos pode dizer sobre a possibilidade de um acordo até ao final do mês?

Vamos ter um acordo. As mudanças na atmosfera - do desespero à esperança e vice-versa - acontecem porque, da parte dos credores, não há uma posição unida. Eles estão divididos, horizontal e verticalmente. Horizontalmente, há diferenças entre a Alemanha e o Fundo Monetário Internacional. Verticalmente, há também divergências no interior do Governo alemão. Há uma linha mais suave, da chanceler alemã Angela Merkel, e uma mais dura, de Wolfgang Schäuble [ministro alemão das Finanças]. Por isso, tivemos um primeiro acordo e, depois, eles vieram e mudaram tudo. Por isso, tivemos que começar mesmo do princípio. Houve um acordo com o Grupo de Bruxelas. Ficou praticamente concluído nos seus aspectos técnicos. Houve também um acordo geral, verbal, entre o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, e a senhora Merkel. Mas, quando os outros actores entraram em cena, tudo mudou e tivemos que começar do início.

Ouvimos queixas de que as delegações gregas estão sempre a mudar. isso é muito difícil de compreender em Bruxelas...
Não é o caso. Só houve uma mudança, a do ministro grego das Finanças, Varoufakis, que, por insistência do senhor Schäuble, foi substituído pelo seu número 2 nas negociações.

E porque é que o ministro grego das Finanças, Yanis Varoufakis, saiu do grupo de negociadores?
Parece que há uma questão pessoal. O senhor Schäuble não gosta das políticas defendidas pelo senhor Varoufakis. Além disso, querem uma vitória simbólica, para sublinhar quem é o vencedor, quem é o dono do jogo.

Mas as políticas de Varoufakis são assim tão diferentes das de Tsipras ?
Não, de todo. Por isso é que lhe digo que a política não mudou. O que lhe digo é que, depois da insistência do ministro alemão das Finanças, Tsipras substituiu Varoufakis só para não dar um pretexto a Schäuble para dizer que aquele era o grande obstáculo. Ele disse: "Posso de facto substituí-lo, não como ministro, mas como negociador, e, portanto, removemos o tal obstáculo e vamos lá chegar a um acordo”. O Governo grego assumiu compromissos inacreditáveis face ao programa eleitoral. Mas, mesmo assim, não temos um acordo. Eles não querem chegar a um entendimento. Eles querem descredibilizar o Governo grego. Estão com receio de que, se o Governo do Syriza for bem sucedido, outros na Europa vão pensar que podem mudar um pouco a receita da austeridade.

Admite que podiam ser mais organizados? Diz-se também nos corredores europeus que não há papéis da vossa parte nesta negociação...
Isso é mentira. É parte da propaganda. Apesar de os gregos não serem conhecidos pelo seu espírito de organização, posso assegurar-lhe que agora estamos mais bem organizados que os credores. Eles aparecem numa constante improvisação. Jean-Claude Juncker [presidente da Comissão Europeia] começa por dizer que fica responsável por tudo. E, depois, fica zangado e passa as tarefas a outros. Sabe, não temos do outro lado um negociador único e sério. Do lado grego, nós temos uma pessoa, Tsipras e o seu "staff".

Há, pelo menos, uma pessoa do lado europeu. Angela Merkel pode ficar aborrecida com críticas duras por parte de Atenas. Chegou a ser retratada com um bigode nazi. Isso ajudou?
Não, de todo, mas isso foi uma coisa do passado. Tsipras está a tentar mudar a imagem da senhora Merkel. Sabe, houve um encontro em frente às câmaras de televisão entre Tsipras e as empregadas de limpeza despedidas do Ministério das Finanças. Agora, foram recontratadas e Tsipras disse-lhes, em público, que a senhora Merkel também era contra o despedimento delas. Ele tentou melhorar publicamente a imagem de Merkel. Claro que, no passado, existiram [problemas]. Até esse bigode...

Diria que Merkel não é tão má quanto Schäuble?
O mau da fita, agora, é Schäuble. Há diferenças entre eles, mas estão também a jogar ao "polícia bom - polícia mau". Neste momento, Merkel está a desempenhar o papel de actor positivo.

Diz que vai haver um acordo. Mas que tipo de compromissos/cedências estão dispostos a fazer?
Compromissos que poderemos aceitar? Já foram aceites! Por exemplo, a austeridade. A austeridade vai continuar, infelizmente. Não queríamos isto. Pensamos que a austeridade implementada em toda a Europa provoca recessão económica e não temos resultados positivos, seja em Espanha ou na Grécia.

Estão dispostos a aceitar mais austeridade?
Sim, sim. Isso já é dado como aceite. Infelizmente, mas faz parte do compromisso. É o caso do aumento dos impostos. Para termos os números correctos, o Governo admitiu um aumento de impostos.

Admitem aumentar impostos? Que impostos?
O IVA vai aumentar. E também as promessas que o Syriza fez sobre o aumento do salário mínimo foram congeladas.

O IVA na saúde vai aumentar ? E o IVA em geral?
O IVA vai aumentar, com excepção dos medicamentos, livros, cinema e teatro, que continuam ao nível mais baixo, 6%. Agora, entre as mais recentes concessões gregas, está também o aumento deste IVA mais baixo para 6,5% e do IVA da alimentação. Já lhe disse que estava quase tudo acertado, quando eles vieram dizer que tínhamos que aumentar a electricidade de 11% para 23%.

Isso é aceitável?
Não, porque há 300 mil casas sem electricidade na Grécia. Outra questão era a do restabelecimento das negociações colectivas no trabalho.

E as pensões ? Aceitam cortar nas pensões ?
Não.

Ou algumas pensões?
A maior parte das pensões que eles querem cortar são muito baixas, de 300 a 500 euros. Isso é inaceitável. O que temos que fazer é reformar o sistema de Segurança Social. E o desemprego é também um problema. Se não tens pessoas a trabalhar de forma a fazer contribuições para os fundos da Segurança Social, fica difícil. É aceitável ter medidas novas e aceitar uma idade mínima de reforma nos 67 anos.

O que vai acontecer ao processo de privatizações? Está congelado?
Todas as privatizações previamente acordados pelo Governo vão continuar e também vão surgir algumas novas, mas o Governo quer manter-se como accionista minoritário.

E o objectivo do excedente orçamental?
Felizmente, até os credores concordaram que as metas traçadas em acordos anteriores eram irrealistas. Os credores pedem 1,5% de excedente primário e nós pedimos 1%.

Como é que se diz ao povo grego que a austeridade tem que continuar?
É muito difícil. Muitas pessoas não acreditam.

Também dentro do Syriza?
Isso não é problema. É um problema da população, porque ela apoia totalmente o Governo quando se segue uma linha consistente durante as negociações.

Mas há divisões no Syriza...
Sim, mas isso é também exagerado pela imprensa internacional. Isso não será um problema desde que o acordo final não seja igual ao dos governos gregos anteriores. Senão, por que razão fizemos eleições?

Porque razão decidiram não fazer uma coligação, por exemplo, com o Potami, e decidiram aliar-se aos Gregos Independentes?
O Potami não é um parceiro viável. É um partido apoiado pelos oligarcas, que são responsáveis pela catástrofe no país. O outro partido - os Gregos Independentes - não é controlado pelos oligarcas. E não é assim tão de extrema-direita como foi descrito, sendo que é verdade que é um partido popular de direita. E, até ao momento, não criaram nenhum problema.

Remodelar a coligação não é uma opção, neste momento?
Os credores querem uma remodelação na coligação. Mas, como as pessoas votaram em algo, queremos manter o desejo dessas pessoas. Caso contrário, para quê organizar eleições? São caras. Se, em vez disso, os eleitores respeitassem o acordo base de todos os entendimentos, não se podia mudar nada. Então para quê fazer eleições? Que venha, então, a Alemanha dizer-nos o que fazer.