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Ed Gonçalves pode ser o primeiro deputado português no Reino Unido

07 mai, 2015 • Maria João Cunha

Em português, assume que avança para "inspirar" emigrantes e lusodescendentes, contra a xenofobia disseminada pelo UKIP. Frente aos eleitores ingleses, defende uma reforma profunda do sistema político. Eduardo Gonçalves quer chegar à Câmara dos Comuns. As eleições são esta quinta-feira.

Ed Gonçalves pode ser o primeiro deputado português no Reino Unido
Em português, assume que avança para “inspirar” os emigrantes e lusodescendentes, contra a xenofobia disseminada pelo UKIP. Frente aos eleitores ingleses, defende uma reforma profunda do sistema político e a abolição das despesas dos deputados. Conheça Eduardo Gonçalves, o português que quer um lugar na Câmara dos Comuns.

Eduardo Gonçalves (imaginamos um falante de inglês a tentar pronunciá-lo - ou escrevê-lo) ri-se quando lhe perguntamos se os constituintes que o podem eleger costumam acertar-lhe no nome pouco “english friendly”. Apresenta-se como Ed, um nome mais “catchy” e conciso, mais fácil de colocar nos panfletos.

Nasceu há 47 anos, em Londres. É filho da emigração portuguesa dos anos 60. No início do ano, mudou-se para Rugby, a cento e poucos quilómetros a noroeste da capital, para se candidatar a deputado por este círculo e pelo partido dos Liberais Democratas (Lib Dems).

Foi aqui, na cidade onde se acredita ter nascido o desporto com o mesmo nome, casa para 70 mil almas (cerca de dois mil portugueses), que o partido lhe arranjou uma vaga. Porque importava, sobretudo, ser candidato. E porque, para Ed, um candidato deve estar próximo dos seus eleitores, de viver no seu círculo eleitoral. Algo que “nem todos” fazem. 

Com o apoio da família e uma máquina de campanha de 60 pessoas, Eduardo perdeu a conta às acções a que deu corpo e voz nos últimos 30 dias. A actividade “non-stop” é certificada pelas bolhas nos pés e pela voz algo rouca - no Reino Unido, a campanha faz-se sobretudo no contacto porta-a-porta.

E o que faz um lusodescendente a bater às portas dos ingleses para pedir votos nas eleições desta quinta-feira? Tirar os portugueses de dentro de casa e “inspirá-los” a envolverem-se na vida política e cívica. “Primeiro, espero que vão às urnas, que votem. Depois, que se apresentem como candidatos.”

Ed não concebe que haja uma população de origem portuguesa tão numerosa sem qualquer representação política. Dá o exemplo de Vauxhall e o “Pequeno Portugal” de Londres, uma única freguesia onde 20% dos habitantes são portugueses ou lusodescendentes.  Nem deputados, nem presidentes de câmara. E, sim, Ed também já foi candidato a uma autarquia.

Veja também: Quanto vale o voto português no Reino Unido?

Vítima de contra-campanha xenófoba 

Em 2014, concorreu a uma cidade no sul, Gosport. “Foi uma experiência muito importante. Nas eleições anteriores, o Partido Liberal Democrata só tinha chegado ao terceiro lugar, muito aquém do segundo, e eu não tinha absolutamente nada a perder. Mas fiz uma campanha muito dinâmica.” 

Conta que, na altura, quando andava a bater às portas, tinha sempre no encalce militantes do Partido Conservador, que abordavam as mesmas pessoas dizendo “sabia que o candidato liberal democrata é estrangeiro?”. Sentiu que era alvo de uma contra-campanha xenófoba, que o atacava apenas pelo facto de ser português. “Mas não teve grande efeito”, conta.

Não ganhou por curtos 79 votos. Para Eduardo, “é a prova de que não temos nada a perder, podemos realmente vencer. As pessoas não são convencidas com essa propaganda”. 


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Nestas eleições gerais, Eduardo candidata-se pelas mãos de um partido que arrisca perder metade dos deputados e a pior votação em 25 anos de história – os analistas a prever um quase desaparecimento dos centristas liberais, historicamente a terceira força política no Reino Unido. Pior: em Rugby, a última vez que um deputado (MP) dos Lib Dems (na altura designados Liberais) conseguiu a eleição foi há pouco menos de um século.

As probabilidades estão contra ele. Mas Eduardo lembra que esta quinta-feira, quando as urnas abrirem (“a maior entrevista de emprego no Reino Unido”), “todos os candidatos partem em igualdade, com zero votos”. E que os círculos são uninominais, o que quer dizer que os eleitores de uma determinada área escolhem directamente o seu candidato. Atira, assim, o clássico prognóstico de vitória que se exige do bem estudado discurso político.

Lá mais para a frente, na conversa, admite: “Numa hipótese extremamente remota em que eu não ganhe, vou continuar com a minha campanha e tentar convencer os portugueses a avançarem e participarem na vida política e na vida cívica. Aliás, eu não me importo de não ganhar.” Ouvimos bem? 

Sim, mas Eduardo tem uma condição – que diz tudo: “Desde que daqui a cinco anos haja pelo menos dez portugueses a candidatarem-se às eleições. E que nessa altura também haja presidentes de câmaras municipais portugueses, nessas partes do país onde temos mais representação. Para mim, era uma grande vitória se isso acontecesse.” 

Mas não há grandes vitórias a prever nestas eleições. Não há, aliás, memória no Reino Unido de uma corrida tão renhida e com resultados pós-eleitorais tão incertos. O número de indecisos (cerca de 40%) é anormal para esta fase da campanha e o facto de os dois maiores partidos estarem tecnicamente empatados pode influenciar e dispersar o sentido de voto. Ed Gonçalves diz que o Reino Unido pode acordar, na manhã de 8 de Maio, embrulhado numa "grande complicação". (veja o vídeo no topo da página)

Contra a xenofobia contaminadora do UKIP

As razões de Ed Gonçalves não se esgotam numa certa “invisibilidade” dos portugueses. Diz que o país vive “uma altura muito complicada” por causa do crescimento do Partido da Independência do Reino Unido (UKIP, na sigla inglesa), que considera de extrema-direita e “francamente contra a imigração”. 

O UKIP, que rejeita os rótulos, ocupa o terceiro lugar nas sondagens, com 12 a 14% dos votos, e pode eleger pelo menos três deputados. Em 2010, conseguiu 3%.

O grande problema, para o candidato lusodescendente, é que “o discurso deles tem vindo a contaminar um pouco todo o discurso político no Reino Unido”, já com ecos nos partidos Conservador, “que defende muitas das mesmas posições”, e Trabalhista, que chegou a “distribuir canecas com propaganda anti-imigração”. Ed garante que não faltam sinais de “uma crescente intolerância em torno dos imigrantes.”

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Intolerância que não é de agora, mas que se agrava. Em Rugby, por exemplo, a comunidade portuguesa foi atacada com violência em 2006, quando a Inglaterra perdeu contra Portugal no Mundial da Alemanha. Só agora voltou a abrir um restaurante português na cidade, conta Ed.

Então, como é recebido um filho de imigrantes em campanha? “Falo muito abertamente das minhas origens, das minhas raízes”. Garante que dá “respostas honestas”, muitas vezes não necessariamente “as que os habitantes gostariam de ouvir: ‘Temos de nos ver livres dos emigrantes, temos de acabar com a emigração’. Obviamente não é essa a minha posição.” 

“Se não mudarmos o sistema, temos os políticos que merecemos”

Pedimos-lhe um “slogan” político. ”O voto no tuga” sai entre risos, não é a sério. Mais facilmente optaria por qualquer coisa à volta da abolição das despesas dos deputados. E lembra a história do deputado que gastou milhares de libras dos contribuintes numa casa para os seus patos. 

O escândalo tem cinco anos, envolveu mais casos e provocou o debate no Reino Unido. Mas ”pouco mudou desde então”, assegura. “Aliás, é perfeitamente legal um deputado contratar o seu marido ou mulher para trabalhar no gabinete, coisa que 25% dos deputados neste último parlamento fizeram.” E continua: “Um deputado derrotado nas eleições leva um bónus de cerca de 40 ou 45 mil euros, sobre o qual não tem de pagar nenhuns impostos. Não conheço nenhum outro emprego onde uma pessoa que seja despedida por ter feito muito mal o trabalho, acabe por receber um bónus desta natureza.”

Eduardo diz mesmo, na apresentação da candidatura: “Depende de nós – se não mudarmos o sistema, teremos os políticos que merecemos”. 

O homem que “contratou” Paul Gascoigne para treinar em Portugal

Eduardo Gonçalves é director de comunicação na organização não-governamental (ONG) “The Climate Group”. É assim que se apresenta, sublinhando que trabalha muito com empresas e governos. Foi, aliás, a organizar uma conferência, ainda cursava Ciência Política na universidade, que acabou por entrar na política como assessor, a convite do agora ministro da Justiça, o liberal democrata Simon Hughes. 

Não se considera político profissional, antes “um militante na comunidade”. Garante que tem sido “um cidadão activo ao nível das instituições”, o que para Ed é “outra forma de fazer política”.

Com a mulher e outros membros da família fundou a organização “Kidney Kids”, dedicada a apoiar crianças com insuficiência renal, que já tem “dimensão nacional” no Reino Unido. Uma iniciativa motivada pela doença de um dos filhos gémeos, nascidos em Portugal. 


Ed Gonçalves com a mulher e os filhos, Luis e Joe

Foi jornalista, fez rádio na BBC, colaborou com os jornais britânicos “The Guardian” ou “The Observer”. É casado com uma jornalista, viveu oito anos em Portugal, passou pelos Estados Unidos e pelos Emirados Árabes Unidos. Tem uma casa no Alentejo, onde vai com frequência. 

Na sua biografia, destaca o facto de se ter especializado na conservação do lince ibérico, que está também no centro de uma das histórias mais curiosas do seu percurso. 

O "grande gato em vias de extinção" foi a mascote escolhida para o Algarve United, projecto de um empresário italiano da cortiça, que queria uma equipa local a ocupar o estádio do Euro 2004 na região. A Ed, por ser inglês,  pediram-lhe para tratar da contratação de Paul Gascoigne, estrela do Tottenham e da selecção inglesa nos anos 90. 

O projecto tinha tudo para andar, menos a disponibilidade financeira do investidor. É que Ed conseguiu. Trouxe Paul Gascoigne ao Algarve e até chegou a ver casas com ele.